Folha de S. Paulo


Pecado original

Semana cheia. No dia seguinte ao que a presidente lança um programa importante de concessões, somos brindados com manobras da Casa Civil tentando tirar do vice-presidente Michel Temer a função de coordenador político do governo (Folha, 10/6).

Aos trancos e barrancos, as reformas começaram a andar e parecia que, com a nova coordenação, teríamos menos turbulência no Congresso. Pelo jeito não será assim. Com sua habilidade, o vice enfrenta a situação. Parece que o governo não percebeu quão fundamental é a sua participação.

Com a aproximação do 5º Congresso do PT e já sabendo da violenta crítica que a política econômica e o ministro Levy levariam, Dilma se apressou a dizer que ele não era Judas. Esqueceu-se de acrescentar que era dela esse papel.

Digamos que o vice tentou tirar o foco do equívoco quando acrescentou que o ministro sofre como Cristo. A manobra diversionista é perigosa, pois tenta mascarar as responsabilidades.

Levy não tem a mínima culpa pelo pecado original do governo. Foi convidado, de forma recalcitrante, pela presidente que sabia de suas convicções e radicalidade para enfrentar a crise produzida nos quatro anos que o antecederam. A decisão de convidar alguém com o perfil do ministro foi tomada pela falta de credibilidade do governo. A indicação seria necessária para a conquista da confiabilidade e retomada de investimentos.

Grande parte do PT não aceita as medidas. Clamam por taxação de grandes fortunas e heranças. Ícones, como Paul Singer (Folha, 10/6), dizem: "Não vejo nenhum motivo de fazer esse ajuste a toque de caixa". O presidente do partido, horas antes de abrir o Congresso, parafraseia Chico Buarque, como se não tivesse nada a ver com tudo isso: "É inconcebível, para nós, uma política econômica que seja firme com os fracos e frouxa com os fortes".

O PT enfrenta hoje uma situação com ingredientes bem diferentes de quando Lula assumiu em 2003 ao receber o que chamou de "herança maldita". Essa herança vinha com grande perda de popularidade, mas não de credibilidade em setores essenciais. Tomou posse um novo governo, movido pela esperança e confiança em soluções e melhorias para a população mais pobre.

O 5º Congresso do PT terá de lidar com o estado da economia, a repercussão dos "ajustes" na base, as acusações de corrupção e a indignação da população contra o PT. A última coisa em que estão pensando é qual é a proposta para o país.

Pelo que acompanho, as usuais manobras de negação de responsabilidades já estão com o enredo pronto. Podem até enquadrar a militância presente, mas certamente não convencerão os que até já votaram no PT.


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