Folha de S. Paulo


Discurso antipolítico de gestor é puro sofisma

Marlene Bergamo/Folhapress
O prefeito eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), em entrevista exclusiva à Folha na capital paulista, nesta terça-feira
O prefeito eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), em entrevista nesta terça-feira

No evento de comemoração de sua eleição em primeiro turno, o futuro prefeito de São Paulo, de mãos dadas com o governador Geraldo Alckmin, apontado como o grande vitorioso do pleito, prestou suas homenagens a Mario Covas e Franco Montoro.

Em entrevista concedida logo a seguir, declarou mais uma vez não ser político e, sim, gestor. A lacuna na lógica foi preenchida por declaração de seu marqueteiro: a credibilidade da imagem de não político seria um ativo a ser explorado nesta campanha, em face da rejeição de parte expressiva do eleitorado aos partidos políticos, em particular ao Partido dos Trabalhadores.

A estratégia não é exatamente inovadora. À esquerda e à direita, candidaturas anti-establishment têm se revelado bem sucedida opção de participação política em vários lugares do mundo, dos Estados Unidos à Grécia passando pela Espanha e Itália.

No caso brasileiro, o sucesso desta estratégia eleitoral se beneficia de diagnóstico bastante difundido acerca das razões do mal-estar em que estamos imersos. Sua causa principal seria a adoção de sucessivas políticas equivocadas, danosas ao país, as quais, por sua vez, teriam sido motivadas pelo propósito exclusivo de ganhar as eleições.

A interpretação contraria as expectativas de longa tradição da teoria democrática, que sustenta que a expectativa de sobrevivência eleitoral levaria os partidos a aproximar seu conteúdo programático das preferências de seus eleitores. Evitar a punição eleitoral conduziria a um alinhamento de preferências entre representantes e representados, resultante da motivação por parte dos primeiros de obter o voto dos segundos.

Decorre da interpretação que criminaliza a pretensão dos partidos de ganhar as eleições uma solução aparentemente lógica: colocar no poder candidatos desprovidos de pretensões (re)eleitorais. Esta operaria como uma espécie de antídoto contra aquele pecado original. O risco do mal-estar estaria, por assim dizer, cortado pela raiz. Gestores, ao contrário dos políticos, teriam a virtude de ser uma espécie de kamikazes da vida política.

Desprovidos de qualquer pretensão de sobrevivência eleitoral, adotariam as melhores políticas.

Puro sofisma. O fato é que as grandes cidades brasileiras apresentam grandes desafios aos governantes. O legado de precariedades e múltiplas formas de exclusão estão na origem de renitentes manifestações de ressentimento derivadas da aguda de que as oportunidades e bens coletivos são muito desigualmente distribuídos.

A expansão dos níveis de escolaridade combinada à difusão de oportunidades de obtenção de informação tornaram o eleitor mais exigente e apto a examinar o conteúdo das políticas.

Ambas têm conduzido à expansão de demandas sobre os governos.

Por outro lado, os recursos para financiar os serviços públicos são limitados e escassos. Logo, os governantes estão condenados a frustrar seus eleitores. Não é possível atender todas as demandas de todos os eleitores no espaço de um mandato.

Não é na ausência de pretensões (re)eleitorais que está o condão de produzir a quadratura do círculo.


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