Folha de S. Paulo


Artigo científico inferniza a vida de dona Patrícia

Você já imaginou atender a uma sugestão de um grande nome da física mundial e, por causa disso, entrar numa fria?

Foi o caso da leitora Patrícia da Silva Boni, de São Paulo. Ela leu na coluna do físico Marcelo Gleiser, publicada no caderno Mais! de domingo passado, o seguinte trecho: "O leitor pode fazer uma experiência divertida, passando um ímã em frente a uma tela de TV e checando a distorção da imagem".

Na terça-feira, dona Patrícia ligou para relatar o seguinte: "Passei o ímã. De fato, como dizia o artigo, a imagem da TV se distorceu. Foi impressionante. Mas me arrependi. A experiência deixou três manchas redondas na tela da minha televisão. Uma azulada, uma roxa e uma violeta. Pensei que fosse voltar ao normal depois de algum tempo, mas nada. Agora, todos aqui em casa reclamam de mim. Atrapalha muito para assistir um jogo de futebol, por exemplo, justo quando a seleção está disputando esse torneio lá na Arábia. Fui inocente de acreditar. O que faço?"

Já o desconfiado assinante Paulo Bianchini Gaspareti nem tentou fazer a experiência. Em mensagem enviada no mesmo dia da publicação do caderno, ele alerta para a "existência de recomendações de qualquer fabricante de TV para que não se use qualquer dispositivo de indução magnética próximo ao tubo de imagem, tais como ímãs de alto-falantes, videocassetes, telefones etc.".

Adianta uma possível solução para a dor de cabeça de dona Patrícia: "Muitos dos equipamentos 'nacionais' não possuem a função de desmagnetização automática do tubo de imagem, e, nesse caso, há necessidade de auxílio técnico para que o problema seja corrigido por meio de um 'anel magnético'". Dizendo-se em geral satisfeito com a Folha, Gaspareti preocupa-se com a "qualidade do serviço, da informação, da educação" prestada pelo jornal. E deixa uma pergunta fundamental no ar: "Os artigos da Folha são examinados por alguma divisão incumbida de corrigir esses absurdos?"

O responsável pelo erro, físico Marcelo Gleiser, professor de física teórica do Dartsmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Dança do Universo", é um especialista de renome em seu campo de trabalho.

Consultado a respeito pela Secretaria de Redação da Folha, ele procurou ter uma atitude sincera e construtiva:

"Eu acho que deveria ter sido mais cuidadoso. No entanto, gostaria de chamar a atenção para o fato de que, pelo que eu sei, apenas uma leitora se queixou de danos permanentes em seu televisor. Eu aprendi que, quando sugerir um experimento, alertarei os leitores sobre possíveis consequências, as mais mínimas que sejam".

O problema não atingiu apenas uma leitora. Também a professora Cristina Maggioni, de Ribeirão Preto (SP), teve sua TV afetada pela experiência.

No domingo, um ímã grande, de alto-falante, fez o trabalho: causou bela distorção na imagem, mas deixou 3/4 da tela da TV inteiramente verdes. O pedaço restante manteve sua coloração normal.

O efeito durou três dias. Na quinta-feira, sem que ninguém tomasse qualquer providência, a TV resolveu voltar às cores normais.

O final feliz ainda não chegou, porém, para dona Patrícia. A resposta da Redação da Folha não esclarece que providências serão tomadas para resolver as manchas da TV dela. O caso continua, então.

PRÊMIO ESSO

O Prêmio Esso de Reportagem concedido ao jornalista Fernando Rodrigues, pela série de reportagens que flagrou depoimentos sobre venda de votos pró-reeleição presidencial, merece ser mais comemorado.

Por sua enorme parcela de esforço pessoal, pela tenacidade e a crença até o último momento na possibilidade de obter a informação, Rodrigues é justo merecedor do prêmio.

Sua reportagem, planejada e realizada com requintes dignos de filmes do gênero, evidencia como o método investigativo pode e deve hoje talvez mais do que nunca exercer seu papel fundamental: descobrir os fatos e trazê-los a público com independência, desafiar os poderosos, contemplar a realidade para além das aparências, da propaganda e das versões oficiais, prestar um serviço à sociedade.

Não há outro caminho para que o jornalismo resista às investidas para vulgarizá-lo, num ambiente de intensa competição, cada vez mais carregado por imposições de natureza mercadológica e empresarial.
Um exame dos outros trabalhos agraciados pelo Prêmio Esso neste ano mostra que o mesmo critério predominou.

"SINERGIA"

Uma circular da Chrysler para pelo menos 50 revistas americanas causou escândalo. A mensagem, de acordo com a revista "Columbia Journalism Review" (''CJR''), especializada em assuntos ligados à qualidade e à ética no jornalismo, exigia que as publicações adiantassem o conteúdo de suas edições, na forma de um resumo de cada reportagem, de forma que a empresa pudesse decidir sobre a inclusão ou não de seus anúncios.

De acordo com depoimentos obtidos por Gloria Steinem, e citados pela mesma "CJR", a gigantesca Procter & Gamble não aceita que seus anúncios sejam publicados perto de qualquer coisa que se refira a temas como "controle da venda de armas, aborto, ocultismo, cultos ou detração religiosa". Sexo, jamais. O caso foi parar na Sociedade Norte-Americana de Editores de Revistas (Asme, que congrega os equivalentes aos diretores de Redação no Brasil). Reconhecendo que o problema não é exatamente novo, a sociedade rechaçou as pressões, reafirmando princípios de independência editorial:

"O editor-chefe de qualquer revista tem que ter a autoridade final sobre o conteúdo editorial, palavras e fotos que aparecem na publicação", diz a Asme, ecoando seu código de ética.

A associação dos administradores, executivos-chefes das publicações (os "publishers"), apoiou a declaração dos editores.

Apesar disso, há dúvidas sobre o estado atual da necessária separação entre interesses jornalísticos e publicitários das publicações americanas.

A polêmica causada pelas recentes mudanças no jornal "The Los Angeles Times", inclusive a nomeação de espécies de gerentes para cada uma das editorias do jornal, é exemplar. Sua missão é trabalhar em conjunto com o editor, buscando extrair do noticiário a maior quantidade possível de oportunidades de negócios, "casar" os anúncios com as notícias.

Com variações, a mídia brasileira não está isenta dessas práticas de ética questionável, algumas já incorporadas à cultura do relacionamento das publicações com os potenciais anunciantes.
Mas aqui a discussão nem sequer é realizada. São muito raros os casos de reflexão mais profunda e independente. Rebeliões individuais, se há, não ganham as páginas da própria imprensa.

O enraizamento de princípios éticos depende mais de práticas adotadas isoladamente por esta ou aquela empresa jornalística ou por alguns poucos profissionais.


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