Folha de S. Paulo


As respostas ao teste de ética

Há momentos em que o profissional de imprensa tem à sua frente aquilo que é a razão de todo o seu esforço: a informação, a fotografia, a ilustração, o furo. Mas será que eles devem ser sempre publicados, em qualquer situação?

Cerca de um mês atrás, os leitores foram desafiados nesta coluna a responder a um teste de ética jornalística.

Algumas situações foram extraídas de fatos que efetivamente ocorreram. Outras eram fictícias.

Foram apresentadas cinco situações. Para cada uma havia duas alternativas de resposta. Uma das situações colocava em foco o local da publicação de uma foto, outra questionava se conseguir a informação é sempre o objetivo número um do profissional.

As restantes examinavam a consistência da informação obtida, o poder de indução de uma ''receita'' de bomba, a conveniência de divulgar o nome de um assassino em um seriado de mistério.

Responderam ao teste 336 leitores; 218 eram estudantes da PUC de Minas, Universidade de Mogi das Cruzes, Faculdades Reunidas Sta. Cruz, de Curitiba, e de um colégio, a Escola Experimental da Lapa, em São Paulo.

O mesmo teste foi respondido por 12 editores da Folha.

É interessante notar que, à exceção de duas perguntas (as de número três e quatro), leitores e editores optaram, majoritariamente, por decisões divergentes. Não houve unanimidade a favor de nenhuma alternativa, nem mesmo no restrito colégio de editores que responderam.

Leitores e editores discordaram sobre se o jornal deveria usar, na Primeira Página, fotografia da queda do presidente Fernando Henrique ao subir num palanque. A maioria dos leitores respondeu que não. A maioria dos editores disse sim.

Eu, nessa questão, estaria com os leitores. A Folha publicou a foto em sua capa.

O professor de Filosofia Política da Universidade de São Paulo Renato Janine Ribeiro não tem uma resposta precisa para essa questão. Diz Janine Ribeiro: ''Estou convencido de que é inadmissível escolher as piores fotos para publicar: aquelas em que o adversário é demonizado, aparece com esgares etc. Mas, no caso de um 'fait-divers', como o suposto tropeção, não tenho certeza. Só me parece significativo o fato de a própria questão ser posta. Significa que aquilo que construía um razoável consenso (em face de Figueiredo, ou de Collor em sua agonia) agora já não o constrói. Significa, ainda, que só a recepção ditará as regras sobre isso.

Se ela for bem acolhida, seu papel de metáfora ou alegoria terá tido validade. Se não o for, é porque os leitores não entendem que o governo estará tropeçando. Mas noto que essa solução não tem nada de ético. É, simplesmente, de oportunidade. O que é um tanto decepcionante''.

Leitores e editores também estiveram às turras quanto a qual seria a atitude correta de um fotógrafo presente na hora do tropeção: fazer a foto ou ajudar o presidente _e perdê-la.

A questão implica algo de fundo: jornalistas muitas vezes presenciam fatos que demandam uma de duas atitudes, o distanciamento de quem registra ou a proximidade de quem intervém. Ajudar um ser humano é motivo de elogio, até quando um repórter vem alterar os fatos com sua atitude. O distanciamento jornalístico tem limites éticos. Essa demarcação varia, porém, em função das características da informação, do seu valor, da capacidade de intervenção do repórter.

O estudante Pedro Maciel Guimarães Júnior, da PUC de Minas, apresenta ainda uma alternativa ao editor cujo fotógrafo tenha perdido a foto: informar que ''o repórter do meu jornal foi o único que tentou ajudar o presidente. Tentaria arrumar uma foto que mostrasse, pelo menos, o repórter próximo ao presidente''.

Na questão seguinte (3), houve a única coincidência entre editores e leitores, em sua maioria. Os dois grupos, e eu também, acham em maioria que vale a pena omitir informações quando elas não estão suficientemente checadas, apesar de serem fornecidas por autoridade policial.

Para o editor do caderno de Imóveis da Folha, Mauro Teixeira, um dos que responderam à consulta, não há nem discussão: ''Esse tipo de coisa, tão comum em nossos jornais, já resultou em casos como o da Escola Base e do 'sequestroï do garoto na zona sul''. Vale notar que entre leitores e editores houve quantidade considerável de respostas favoráveis à publicação.

O caso número quatro traz o dilema sobre até que ponto a informação induz comportamentos negativos. É atual, quando se noticia que os jovens que incendiaram um índio pataxó em Brasília imitavam um quadro que teriam assistido na TV. Os editores da Folha se dividiram em partes iguais.

A leitora Elisa Almeida França não entende como pode haver dúvida sobre questão tão arriscada. Eu também não publicaria. Como relata Gina Lubrano, representante dos leitores do ''The San Diego Union-Tribune'', nosso colega Phil Record, ombudsman do ''Fort Worth Star-Telegram'', recebeu 35 telefonemas de leitores que leram o desenho como ''instruções para produção de uma bomba''.

Finalmente, a questão cinco aborda caso ocorrido aqui na Folha , que causou muitas reclamações zangadas ao então ombudsman Caio Túlio Costa. Um dos leitores, sentindo-se desrespeitado, disse que não leu na Ilustrada a identidade do assassino de Laura Palmer, mas que no trabalho só se comentava isso. Os colegas acabaram contando a ele.

Finais de filmes, seriados, novelas são ''segredos'' preciosos. Guardando-os de verdade, o jornal revela respeito pelos leitores. O direito a não saber também existe.

O VOTO DE CADA UM

Resultados de "Seja o Editor, Teste sua Ética"

- Caso nº 1

Durante uma visita a Rondônia, o presidente Fernando Henrique Cardoso tropeça e cai na escada de madeira que conduzia ao palanque presidencial. Ele é amparado por um segurança. Você publicaria a foto da queda na Primeira Página?

A) Sim. A queda foi o grande acontecimento fotográfico do dia, ilustra a situação atual do presidente, com dificuldades em várias áreas. Além disso, imagens do fato já foram veiculadas na TV
Leitores: 29%
Editores: 67%

B) Não. A fotografia não informa nada relevante, apenas um acontecimento banal, sem consequências, que não merece ser destacado apenas por que afeta o presidente
Leitores: 70%
Editores: 33%

C) Nenhuma das opções: 1%

- Caso nº 2

Um hipotético fotógrafo, seu subordinado, presente na situação descrita acima, em condições de auxiliar o presidente e impedir sua queda, deixa de registrá-la para tentar amparar Fernando Henrique. Não consegue ajudá-lo e perde a foto, publicada no dia seguinte em todos os jornais. Você:

A) Elogia o fotógrafo, por seu impulso de solidariedade humana, pela atitude moral que confere a seus atos, inclusive no trabalho
Leitores: 69%
Editores: 8%

B) Critica o profissional, por não cumprir sua pauta: registrar o que acontecia com o mais importante personagem de noticiário do país
Leitores: 31%
Editores: 58%

C) Nenhuma das opções: 34%

- Caso nº 3

Esse é comum na relação entre imprensa e polícia. Delegado investiga caso de assassino em série e descobre o nome do único suspeito (que ele assegura ser o criminoso). O suspeito está à solta e representa um perigo. O delegado fornece o nome do suspeito a todos os órgãos de imprensa que o procuram. Como não há tempo para checar a informação antes do fechamento da edição, seu repórter de polícia defende a não-publicação do nome. Você aceita. No dia seguinte, seu jornal é o único da cidade a não trazer a informação, que logo se revela verdadeira. Você:

A) Elogia o repórter, por seu rigor na observação dos princípios éticos de só publicar informações checadas
Leitores: 71%
Editores: 67%

B) Critica-o, por não entender que a checagem às vezes não é possível, que a divulgação da informação poderia evitar crimes e se houvesse erro ele resultaria de uma intenção correta: informar o público de algo relevante Leitores: 29%
Editores: 25%

C) Nenhuma das opções: 8%

- Caso nº 4

Aconteceu no "Fort Worth Star Telegram", um jornal texano, após a explosão de uma bomba caseira no Parque Olímpico, em Atlanta (EUA), durante os Jogos de 96. Um ilustrador do jornal apresenta desenho intitulado "Ingredientes de bomba caseira". O quadro traz oito itens geralmente usados para montar esses artefatos. Você:

A) Não usa o desenho, para não incentivar a fabricação de bombas desse tipo. Já houve várias ameaças de atentado, logo em seguida ao episódio de Atlanta
Leitores: 65%
Editores: 50%

B) Usa o desenho, que afinal não trazia instruções. Era só uma ilustração para mostrar como é fácil e barato obter os ingredientes de uma bomba mortal. Instruções podem ser conseguidas numa biblioteca ou na Internet
Leitores: 35%
Editores: 50%

- Caso nº 5

Você revelaria quem matou Odete Roitman? Bem no início dos capítulos da série "Twin Peaks", levada ao ar no Brasil no início da década, você, editor do caderno cultural, já sabe quem matou Laura Palmer, ou seja, sabe o desfecho da série, que fora transmitida anteriormente nos Estados Unidos, com grande sucesso, aumentando a expectativa no Brasil. De posse da informação, você:

A) Fura toda a concorrência e publica a identidade do assassino, mas apenas no corpo de um texto não revela a identidade em título e toma a precaução de avisar os leitores que não desejarem saber para não avançar no texto, pois a identidade do assassino será revelada logo abaixo
Leitores: 34%
Editores: 75%

B) Não publica o nome do assassino. Mesmo com todas as precauções, quem lesse a informação acabaria comentando com a pessoa que não deseja saber, ou com algum seu amigo, que comentará com ele. Será como um pequeno buraco no casco do navio. Logo todos saberão
Leitores: 66%
Editores: 17%

C) Nenhuma das opções: 8%


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