Folha de S. Paulo


''Casal oferece criança por US$ 8.000 para tortura''

''Um casal alemão de Rosenheim (sul do país) foi preso anteontem acusado de oferecer crianças via Internet para serem torturadas. Uma menina de 10 a 14 anos custava o equivalente a US$ 8.000. No caso da eventual morte da vítima, uma quantia extra equivalente a US$ 2.000 teria de ser paga.''

Ponto final. Nada além disso. Essa notícia, publicada bem pequena, no limite inferior da página 1-20 da edição nacional da Folha de 26 de janeiro passado, com o título ''Casal oferece criança por US$ 8.000 para tortura'', não passou ignorada pela sensibilidade do leitor Luiz Henrique Rossi Gurgel, de Santo André (SP).

Dias depois, em contato com o ombudsman, Luiz Henrique lamentava o pequeno destaque para um fato tão chocante: ''Isso não deveria receber o mesmo tratamento dedicado a uma notícia normal. Deveria ser ampliado, ter mais destaque''. Enfático, cobrava: tamanha violência não pode ser encarada como uma notícia banal, dessas que vão para os pés das páginas dos jornais.

SEM CONFIRMAÇÃO

Encaminhada à Direção de Redação do jornal, a reclamação teve resposta da editora de Exterior e Ciência, Andréa Fornes, 32. Basicamente, ela dizia que a notícia saiu sem destaque porque não pôde ser confirmada por outras agências, a não ser a própria fonte da reportagem, a agência ''France Presse''.

Fornes acrescentou que o caso não obteve nenhuma repercussão em outros veículos de comunicação.

Segundo a editora, o procedimento de cruzar informações entre as diversas agências internacionais (ou com informações obtidas na Internet e com os correspondentes do jornal no exterior) é obrigatório na elaboração dos textos publicados pela editoria: ''Temos de ter cuidado com despachos de agências internacionais relatando coisas escabrosas como essa, que chegam quase diariamente à Redação''.

Fornecido pela própria editora, o telegrama original da agência ''France Presse'', que deu origem à notícia, citava também policiais que alertavam para o fato de que ''propostas feitas pelas redes informáticas possam ser fruto da imaginação febril dos suspeitos''.

INFORMAR TUDO

Uma primeira conclusão é, então, possível: tratava-se de uma notícia precária, a qual, nessas bases, nem sequer deveria ter chegado às páginas do jornal.

Decidida a publicação, ela deveria trazer todos os detalhes e salvaguardas possíveis, até mesmo um alerta do tipo: ''Atenção. Esta notícia baseia-se num único telegrama, recebido de uma só agência. O indício maior do suposto crime que relata foi obtido pela polícia na Internet, não estando, assim, confirmado''.

Outra questão, talvez mais importante, se resume na pergunta: como a imprensa deve usar informações da Internet, essa ferramenta que concentra parcela cada vez maior da informação circulante no mundo e ameaça obsoletar a própria imprensa em sua forma atual?

Novos e mais rigorosos procedimentos técnicos de controle da qualidade da informação têm que ser desenvolvidos, para lidar com aquilo que vira notícia ou crime ao passar pela rede.

A noção de notícia se desdobra, seu controle diminui. Os problemas do jornalismo do futuro se impõem agora: como distinguir, com segurança, numa infindável massa de dados, aquilo que é informação em meio à enorme quantidade de lixo existente na Internet, evitando os enganos criados a partir dela?

Da face generosa da Internet vieram as informações que resultaram no caderno ''Habitat'', um trabalho especial sobre a Conferência Internacional da ONU, em Istambul, destinada a discutir problemas urbanos das grandes cidades, realizada em junho de 96. Por esse suplemento, quatro mulheres jornalistas ganharam o Prêmio Folha de Jornalismo, na categoria Especial.

Do lado pantanoso da rede, a polícia alemã colheu indícios que a levaram a prender um casal, o que resultou num telegrama de uma agência de notícias, que a Folha publicou.

O que aconteceu depois? O casal negociava mesmo essas crianças? O que a polícia de Rosenheim apurou? As perguntas de Luiz Henrique, de Santo André (SP), continuam no ar.


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