Folha de S. Paulo


O erro inconvivível

Embora as organizações jornalísticas passem a vida acusando e apontando erros, elas são sabiamente lentas para ajustar as contas com seus próprios enganos. A obtenção de uma correção por parte dos jornais é, às vezes, uma tarefa de extrema dificuldade.

Os expedientes para o reconhecimento de um erro variam de acordo com a obstinação e a prepotência de cada veículo. Eles vão desde a simples recusa - a nossa versão do "nada a declarar" - até saídas mais honrosas como a publicação de contestações em colunas de cartas dos leitores.

Nesse caso, quando não há manifestações da Redação, reconhecendo ou contestando o erro apontado, o leitor fica sem saber quem está com a razão ou fica com a impressão de que os jornalistas não estão querendo ser sinceros e dar o braço a torcer.

Como já foi apontado por Caio Tulio Costa, as seções do tipo "Erramos" e "Correções" tem uma tendência a contemplar os erros menos importantes, o que de maneira alguma diminuiu a sua importância. Nelas, os erros cometidos em manchetes, por exemplo, aparecem raramente. Quando há um grande erro, jornais e jornalistas relutam em adotar a correção explícita, talvez por temes efeitos negativos para a sua imagem.

Na terça-feira, passada, a Folha e "O Globo" - os dois jornais de maior circulação no país - deram o mesmo assunto em manchete: "Inflação não é mais convivível, diz FHC (Folha) "FH: inflação não é mais convivível" ("O Globo).

Os dois jornais optaram por destacar um aspecto do discurso do ministro para empresários cariocas no dia anterior. Para a Folha e "O Globo", o neologismo "convivível" seria palavra inexistente na língua portuguesa. O intelectual-ministro teria então incorrido no mesmo erro do ex-ministro Magri e seu "imexível".
Louve-se a disposição "crítica" de Folha e "O Globo" em relação a Fernando Henrique, por quem a imprensa em geral - incluídos os proprietários das empresas de comunicação e jornalistas - nutre evidente simpatia. Mas será que o assunto mereceria ser alçado às manchetes? Em essência, a declaração de Fernando Henrique era igual a centenas de outras feitas por ele e seus antecessores, um repeteco da retórica antiinflacionária que embala o país já há décadas sem resultados.

A secretaria de redação da Folha Eleonora de Lucena não concorda. Segunda ela, as autoridades econômicas vem dando seguidas declarações a respeito da adoção de alguma medida forte no âmbito da economia: "É um processo ambíguo, o ministro fala que vai dar uma paulada, que é preciso fazer alguma coisa para acabar com a inflação e ao mesmo tempo fala que não vai dar choque, por isso qualquer declaração dele reforçando expectativas de que algo será feito tem importância e merece mesmo a manchete do jornal".
Na minha opinião, o aspecto propriamente econômico não foi o principal na cobertura da Folha naquele dia, porém. Para analisar o escandaloso convivível a Folha chegou até a convocar um doutor em literatura, um outro professor titular de língua portuguesa da USP e especialistas do próprio jornal para atestar a inexistência do "convivível", palavra que estaria em desacordo com as normas léxicas. Foi impossível resistir à analogia com Magri. Consumiu-se com o deslize verbal do ministro, além da manchete e da primeira frase da chamada da capam boa parte da página interna reservada para o noticiário sobre o discurso.

Ocorre que "convivível" de fato existe como apontam os leitores Sidney Schiavon, de Araraquara, e Luiz Gonzaga Paul, de Curitiba. "Convivível" é uma palavra abandonada pelo "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa", editado em 1981 pela Academia Brasileira de Letras.

Apesar de desagradável, o erro da Folha não foi tão grave. O problema é que, apesar de alertado, o jornal até hoje não reconheceu nem corrigiu o erro. Ninguém veio a público dar satisfação. O assunto sumiu do jornal. Foi impossível, conviver com ele depois que o erro mudou de autor. O máximo que a Folha fez foi publicar uma carta de Sidney Schiavon no Painel do Leitor, sem qualquer Nota da Redação a respeito.

Como é sabido, a Folha é o jornal brasileiro que mais corrige seus erros. Mais ainda está longe do que é a praxe em algumas publicações estrangeiras, em que se estabeleceu a praxe de até pedir desculpas aos leitores pelos transtornos causados. Mas quem sabe um dia a gente chega lá.

ERREI
Ao contrário do que publiquei na seção "Média da Mídia" de domingo passado, o "Diário de Pernambuco" não plagiou, nem copiou nem cortou e colou reportagens e gráficos da Folha. O Diário de Pernambuco" tem contrato de utilização de reportagens e antes da Folha e paga para tal. Lamento o erro, de minha responsabilidade, e peço desculpas ao jornal pernambucano pelos transtornos causados.


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