Folha de S. Paulo


"O Estado" contra Tião Macalé

A campanha de lançamento do novo projeto gráfico do Caderno 2, o suplemento de artes e espetáculos de "O Estado de S. Paulo", não poderia ser mais infeliz. No filme exibido nos comerciais da TV, o ator Luís Fernando Guimarães fez elogios à beleza plástica do Caderno 2 renovado, comparando-o com o "caderno do outro jornal", numa referência óbvia à Ilustrada da Folha.

Numa certa hora, o ator levanta numa das mãos o Caderno 2, colorido e bem diagramado. Em seguida, para comparar, ergue ao lado o "outro caderno", em que se destaca uma foto enorme de Tião Macalé, um ator negro conhecido em programas humorísticos da televisão.

Os responsáveis por "O Estado" tentam negar que o filme seja racista. Alegam que o ator foi escolhido por ser feio e não por ser negro. É provável que seja verdade, mas isso não é contestação suficiente para derrubar a conotação racista que o comercial objetivamente tem.

Inevitável constatar que a imagem de uma pessoa negra é mais uma vez associada a algo negativo, associada à feiura, e ao ridículo. E o mais incrível é que isso seja feito por um veículo de comunicação de considerável expressão social, que deveria zelar por limites bem claros nessa área dos preconceitos, em lugar de incentivar a discriminação racial.
Sabe-se que algumas peças publicitárias, inclusive algumas das mais "eficientes" (na acepção mais condenável do termo), caracterizam-se por apelar aos preconceitos adormecidos, explorar com "habilidade" e sutileza seu potencial de despertar empatia.

É um terreno perigoso, pois quando se erra a mão e se é muito explícito (ou sincero) na "mensagem" as consequências podem, ser desastrosas. Se o comercial do "Estadão" fosse veiculado nos EUA, por exemplo, o "Estadão", a agência e até o ator teriam dificuldades políticas e comerciais de monta por algum tempo. A tolerância da sociedade brasileira é tal que um jornal de expressão chega a julgar que um anúncio desse tipo possa contribuir para a sua imagem.

O irônico é que o tropeço racista se dê justamente quando "O Estado" desencadeava nova reformulação editorial e gráfica - mais uma das várias nos últimos anos com o intuito de apagar sua imagem de estagnação no terreno jornalístico, reacionarismo político e conservadorismo no campo dos costumes. Parece que não vai ser dessa vez. Uma espécie de maldição atávica insiste em assombrar o jornal centenário.
O massacre

A leitura Carla Chelotti, da capital de São Paulo, telefone para fazer reparos à manchete de página interna publicada na Folha no sábado (24 de julho), na cobertura do massacre dos meninos da Candelária. A manchete era: "Meninos cheiram cola e roubam, diz polícia".

Pergunta a leitora: o que interessa no caso se os meninos roubam ou cheiram cola? Poderia essa informação dar justificativa ou mesmo ser uma atenuante para o massacre? De acordo com Chelotti, aquele era o tipo de alegação policial que, se realmente fosse necessário divulgar com destaque, demandava um tratamento crítico da parte do jornal e não uma veiculação "neutra", que poderia induzir a que se tentasse atribuir às vítimas alguma responsabilidade pela chacina. Isso, diz a leitora, não condiz com a Folha, que define como um jornal combativo.
A secretária de Redação da Folha Eleonora de Lucena discorda da leitora. Em defesa do jornal, Lucena diz que o relato dos pequenos crimes dos meninos de rua é informação importante e que, no entanto, segundo acredita, não serve como atenuante para qualquer barbaridade.


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