Folha de S. Paulo


O suicídio de julho

Um novo suicídio de adolescente ocorreu em São Paulo. Uma menina de dezesseis anos jogou-se do sétimo andar de um prédio no centro da cidade. Mais uma vez, a Folha noticiou o caso com destaque. É o terceiro suicídio envolvendo jovens que o jornal publica com relevo este ano.

O curioso é que neste caso o jornal teve uma atitude diferente. Uma atitude "aqui Agora", diga-se assim - e não apenas no estilo. O programa do SBT foi o "gancho" em que o jornal pendurou sua cobertura, como se querendo dizer que a responsabilidade pelo tom chocante fosse do programa que divulgou as imagens da menina se atirando do edifício, não da Folha, que as reproduziu com destaque e riqueza de detalhes.

Esse expediente é, aliás, cada vez mais comum entre os chamados jornais de qualidade no mundo todo. Quando o "New York Times" resolveu publicar o nome da mulher que teria sido estuprada por William Kennedy Smith procurou eximir-se da responsabilidade, alegando que a identidade da moça fora divulgada na frente por um tablóide sensacionalista americano.

A linha entre o jornalismo sério e o sensacionalismo se estreita. Frequentemente jornalistas tomam decisões com base na ideia de que não é possível atrair a atenção dos leitores e ao mesmo tempo produzir reportagens equilibradas, que deem voz a todos os lados envolvidos, que respeitem a privacidade dos personagens e que não explorem vulgaridades, o mundo-cão, o grotesco.

Não que as aberrações devam ficar fora dos jornais. É a falta de medida e o apelo constante a elas que expõe a pobreza de ideias, o instinto manipulador a subestimação de inteligência dos leitores, o humor grosseiro da imprensa.

Para tal situação concorrem as mudanças que atingem o jornalismo impresso diário, desde que este passou a diversificar seus campos de cobertura com mais rapidez e a alargar a definição do que é considerado "notícia". Para acompanhar alterações de interesse do leitor tradicional e atrair jovens e mulheres, os jornais, inclusive os de mais prestígio, hoje em dia admitem com muito mais facilidade notícias que evoquem emoções em estado bruto.

Ficou, assim, mais complexo o trabalho de fixar os limites daquilo que merece ser coberto e também as características do que se aceita como cobertura eticamente correta no terreno jornalístico.

Vem desse casamento assumido entre notícia e divertimento (que os americanos batizaram de "infotainment") a confusão de critérios que dá margem a uma maior tolerância diante do sensacionalismo. Há um mercado a ser disputado, alegam os defensores de limites mais largos.

Na selva da disputa pelo mercado, florescem variadas formas de manipulação e o leitor deve estar atento para algumas delas, como a exploração do nu (muitas vezes reforçando o preconceito e o moralismo), do homossexualismo (idem, vide drag queens), do sexo a repetição da mesma notícia com pequenas alterações ao longo de vários dias (e às vezes meses). É inevitável que a mídia tente impor suas estratégias, mas o leitor não é obrigado a aceitá-las passivamente.

No caso do suicídio mais recente -que o jornal poderia, se tivesse interesse, aproveitar para abordar com maior profundidade crítica a maneira de trabalho dos repórteres do "Aqui Agora" - prevaleceu a submissão da Folha ao sensacionalismo.

O jornal noticiou com base em terceiros, que o pai da garota havia batido nela na noite anterior, atribuindo a ele, de maneira indireta, a responsabilidade pela tragédia. O pai não foi ouvido pelo jornal para dar sua versão. O jornal ainda publicou em destaque (apenas na edição nacional) relatos detalhados das pessoas que testemunharam o suicídio. Elas contaram o barulho que o corpo fez ao cair no chão, o movimento das pernas no contato como o solo, a falta de sangue.

A editora de Cidades da Folha, Suzana Singer, responsável pela edição da notícia, declara que foi correto o destaque dado ao suicídio "a partir do momento que a TV, de maneira inédita, mostrou o episódio". A jornalista acrescenta que na parte da tiragem da Folha destinada a São Paulo o noticiário foi mais ampliado.

O suicídio poderia ter sido, segundo aquela edição mais tardia da Folha, também resultado de frustrações amorosas da jovem. Quanto à versão do pai para o que teria provocado a tragédia, a editora da Folha diz que ele, procurado no dia seguinte, negou-se a fazer declarações.


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