Folha de S. Paulo


Pela anti-reportagem

A recente série de reportagens sobre o caso dos telefones deixou mais à mostra um problema jornalístico importante a ser considerado pelos que trabalham na imprensa. Entre as pessoas que refletem sobre o jornalismo, dissemina-se a impressão de que o modo de se fazer reportagem vive uma crise. Não se fazem mais coberturas "normais" sobre temas comuns, sobre fatos do cotidiano. Os textos não constatam mais, as manchetes não são poupadas para os momentos importantes, tudo parece ou tem que parecer sempre decisivo.

A reportagem-denúncia constitui hoje norma obrigatória. Repórteres que não se adequam à nova onda tendem a sentir-se sem espaço, frustrados e ultrapassados.

Muitos jornalistas têm clareza a respeito desse problema; tem-se a impressão de que em algum momento o ofício de fazer reportagens foi esquecido. Todos devem prestar contas à sofreguidão dessa rotina bombástica, por mais paradoxal que isso seja.

Sinal da crise é que boa parte dos próprios jornalistas já não aguenta mais a facilidade dessa fórmula. Os jornais, em especial seus primeiros cadernos, perderam inteligência, estão dominados por reportagens impregnadas de apelo emocional oculto sob um verniz de objetividade.

As reportagens, como essa do caso dos telefones, em geral partem de trabalho investigativo sério que redunda na descoberta de algo verdade e relevante, são em geral artificialmente esticados, os detalhes e áreas cinzentas são ignorados. A repetição de manchetes sobre o mesmo assunto em edições sucessivas mostra mais a debilidade desse método e aumenta a sensação de que se tenta convencer pela insistência a gritaria. Sintoma desse vício é o fato de que quase sempre as manchetes de capas ocupem as seis colunas e usem letras grandes, como se com tanta frequência houvesse algo de importância maior a relatar.

Em geral, o estilo bombástico não permite dúvidas. Ele é feito de dois lados apenas. Do lado bom está o jornal que denuncia. Do lado ruim estão empresários associados a algumas autoridades, todos sempre deliberadamente mancomunados para levar vantagem às custas do erário. Frequentemente essa visão das coisas não é fiel aos fatos, comete enormes injustiças com gente honesta. Nesse ambiente, tem-se a impressão de que o país vive um Collorgate por dia; um eterno sobressalto, desgastante e entediante.

Não é o caso de redundar a respeito das conhecidas carências éticas nos setores público e privado do país. Nem sobre a importância da imprensa na revelação de casos comprovados. Isso já é falado à exaustão. Os sucessos não podem é ser usados como paradigma que sirva à reprodução esquemática de um jornalismo que se torna velho, burocrático e medíocre na medida em que não enfrenta suas limitações.

A reportagem média feita no Brasil de hoje se caracteriza pela escolha de temas pouco criativos, por um afastamento das necessidades informativas dos leitores, por relatos mal informados, pela escassa inteligência de seus textos. Essa reportagem está em grande parte agarrada a um saudosismo, assombrada pelo espectro do Collorgate que ela julga poder repetir em cada esquina.

É hora de enfrentar o desafio de produzir informação que se preocupe com as nuances, os atenuantes, as soluções dos problemas apontados, mais alerta para a perseguição e o preconceito que a caracterizam. É hora de baixar o tom, para que os argumentos possam surgir e ser ouvidos. É hora de arriscar fazer o oposto do que se fez até agora. Todos os jornais teriam dificuldades em adotar essa mudança, em especial a Folha, cuja imagem de sucesso está associada ao jornalismo denúncia.

Mas nesse caso muitos leitores se sentiam menos manipuladores, mais respeitados em sua inteligência, menos condicionados pela repetição de um tom monotonamente exclamativo. É preciso dar importância também a outros temas que não apenas a corrupção, mas que talvez sejam mais essenciais para um combate efetivo à cultura da corrupção que floresce no país. Essa talvez fosse uma boa maneira para devolver o impacto às revelações realmente importantes, que agora vem se perdendo no moralismo de alcance restrito e na estridência indistinta.


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