Folha de S. Paulo


Morte, privacidade e direito à informação

O relato da morte do estudante Diogo Bertim, 12, publicado em página interna do caderno Cotidiano, não era tão chocante como a foto da jovem se suicidou há pouco tempo na escola de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, mas suscita questionamentos talvez mais importantes.

Na edição da reportagem, publicada no dia 1º de maio, pequenas transgressões se acumularam. Primeira: o título do texto principal ("Criança expulsa de aula se joga de prédio") afirmava que o garoto se suicidara, apesar de a polícia classificar o caso como "morte a esclarecer" e de a família preferir a versão de que fora um acidente.

Segunda: o título relacionava diretamente o suposto suicídio ao fato de que, algumas horas antes, Diogo teria sido expulso da aula de matemática do Colégio Monteiro Lobato, em São Paulo, no qual cursava a 6ª série.
Terceira: uma reportagem auxiliar, lateral, publicada junto ao texto principal, tinha um título afirmativo, entre aspas ("Menino tinha depressão"), embora o texto abaixo trouxesse a opinião de um psicoterapeuta de adolescentes, Ruy Mathis, que cauteloso, em tese, dizia, segundo a reportagem, que o menino "possivelmente... Já apresentava uma tendência depressiva". É incrível como se pode por entre aspas num título afirmação taxativa que não aparece no texto abaixo. Vale notar que em geral títulos são feitos por redatores e editores, não pelos repórteres.

Quarta transgressão: o jornal informava abaixo do título que o texto era de autoria da "Reportagem Local", o que designa a equipe de repórteres da Folha. Houve um equívoco de edição. O texto era de autoria do repórter Otávio Cabral, da equipe do "Notícias Populares", jornal de tom sensacionalista também editado pela empresa Folha da Manhã S/A, que publica a Folha.
Versões

Ressalve-se que apesar de tudo o trabalho do repórter do "NP" parecia formalmente equilibrado. Lá estavam as versões da família, da polícia, de um amigo do menino e de moradores do prédio. Em seu texto, o jornalista não escrevia em nenhum momento que o garoto se suicidara, mas atribuía ao diretor do colégio, professor Aparecido Vieira de Assis, as seguintes informações: que o garoto fora expulso da aula de matemática, que o diretor acreditava que o garoto se matara, que quando pressionado Diogo sempre falava em se matar.

O diretor da escola, a única fonte que afirmava na reportagem que o menino havia se matado, telefonou para mim na terça-feira passada, dia 4, e negou ter declarado tudo que a Folha atribuía a ele na reportagem.
Expulsão

O garoto não fora expulso da sala, segundo o diretor, mas apenas mandado à diretoria, tendo retornado à aula em seguida e concluído trabalhos. O diretor disse também não ter declarado que acreditava que o garoto se suicidara. Queixou-se ainda de que uma foto sua fora publicada, junto a texto sobre o caso, no "Notícias Populares". Declarou ter permitido a foto apenas porque o fotógrafo se identificara como sendo da Folha.
O repórter Otávio Cabral, do "NP", insiste que o diretor da escola dez mesmo as declarações usadas na reportagem. A entrevista não foi gravada, ao contrário do que recomenda o Manual de Redação da Folha. O diretor, por sua vez, diz que a reportagem compromete a imagem da escola e destrói sua reputação como educador, construída em mais de 30 anos.

PRIVACIDADE
Sem a gravação, é difícil saber o que se passou de fato na entrevista. Mas talvez a dúvida mais relevante seja outra: será que o suposto suicídio de um garoto merece cobertura detalhada, em que se desça a detalhes, como as impressões que os vizinhos têm a respeito do rigor com que a vítima seria educada pelos pais, também nomeados na reportagem.
Não seria este um aso em que o respeito à privacidade do direito de permanecer anônimo e ao sofrimento de uma família deveria obrigar o jornal a se impor restrições especiais ao chamado "direito do público à informação"? Eu acho que sim.


Endereço da página: