Folha de S. Paulo


Suicídio e repulsa

A publicação da foto do corpo da estudante Rosemary Harue Bonk, espetado nas grades depois de se atirar do terceiro andar do prédio da faculdade de Direito da USP, provocou indignação em leitores que ligaram para mim na quinta-feira passada.

Os protestos partiram de seis leitores e duas leitoras. Seus argumentos tinham em geram a mesma fundamentação: a foto era muito chocantes, a reportagem, sensacionalista. Um dos leitores, que pediu para não ser identificado, acha que a morte de uma pessoa com problemas de estabilidade emocional não mereceria duas páginas inteiras de edição da Folha que circula na Grande São Paulo (na edição nacional, o assunto mereceu uma página).

Segundo ele, o jornal esticou desnecessariamente o assunto, apenas para explorar ao máximo o lado emocional do fato, ou seja, deu importância exagerada a algo que não tinha assim tanto relevo.

Houve quem alegasse ser a foto muito chocante, especialmente para crianças, que folheiam o jornal sem preocupação e podem deparar com a cena deplorável. Outros reclamaram de que a cobertura teve um tom persecutório, atribuindo em última instância o suicídio à separação dos pais, ocorrida há quatro anos. Há um trecho de um simplismo e moralismo especiais: "Segundo eles (os vizinhos da vítima), Rosemary apresenta problemas psiquiátricos desde 1989, quando o seu pai deixou a família para viver com outra mulher".

O episódio ilustra mais uma vez uma regra que parece eterna: jornalistas e leitores frequentemente divergem a respeito do que deve ser considerado notícia. Eu mesmo, jornalista, não estou livre dos efeitos dessa regra. Na crítica interna da quinta-feira (faço uma crítica diária do jornal, com circulação entre os jornalistas da Folha), considerei boa a cobertura do suicídio, sem me deter para considerar aspectos que chocaram os leitores e dos quais só soube depois que a crítica estava pronta.

COLLORGATE

É inusitado que depois da renúncia de Fernando Collor a imprensa tenha reduzido a plano tão secundário a cobertura das investigações dos escândalos envolvendo o ex-presidente, seu tesoureiro PC Farias e a vasta conexão empresarial formada em torno deles.

A coincidência entre esse refluxo do noticiário e a entrada de vários grandes empresários na alça da mira das investigações só aumenta a sensação d estranhamento. Como é possível que uma cobertura tão longa e intensa tenha agora se reduzido a um acompanhamento de investigações morosas e sem grandes novidades? É dessas atitudes de omissão que se nutre a enorme operação impunidade que pode estar em andamento nas barbas de todos. Foi preciso que o procurador-geral Aristides Junqueira viesse a publico dizer que lamentavelmente ninguém será preso para que o assunto surgisse no noticiário.

É difícil crer na punição dos corruptos se investiga a fundo as responsabilidades deles e dos corruptores, por mais poderosos e afluentes que estes sejam. Há muitos detalhes do esquema de colaboração entre empresários e PC Farias que continuam ocultos, embora seja evidente a qualquer um que o último não existiria sem os primeiros. Os jornais não levantam sequer as razões para a morosidade das investigações e a lentidão da Justiça. Por que não mostrar à sociedade, a todos, o verdadeiro salvo-conduto que o ultrapassado Código Penal acaba dando aos que usam o governo para enriquecer, por exemplo? E o pior é que os leitores são privados de notícias de grande interesse, mais ainda no marasmo informativo que caracteriza a atual administração quando comparada ao maná que a procedeu.

A secretária de Redação da Folha, Eleonora de Lucena, responsável pela área de edição do jornal, discorda dessas considerações. Para ela, o jornal tem acompanhado o desenrolar das investigações policiais sobre o Collorgate com rigor jornalístico tal que foi o único grande jornal paulista a publica com destaque na primeira página o indiciamento do empresário José Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim.

Considera ainda descabida a afirmação de que a cobertura do assinto está sendo minimizada apena porque ele agora envolve empresários: "Embora continuemos acompanhando as apurações da polícia e da Justiça temos que reconhecer que o governo Collor passou e nossa prioridade maior agora é fiscalizar a administração Itamar Franco".

Eleonora lembra que as últimas semanas a Folha revelou uma concorrência supostamente irregular no Ministério da Saúde e o contrato sem licitação entre o Banco do Brasil e o Grupo IBF, ambos anulados pelo governo.

De tudo, uma coisa é certa. Sem a vigilância da imprensa as investigações não chegariam onde chegaram. Se a imprensa parar agora, dificilmente elas vão sair de onde estão.


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