Folha de S. Paulo


A Folha, Maluf e o acordo dos ônibus

A regeneração da imagem pública do ex-governador e atual prefeito Paulo Maluf pode vir a ser um caso clássico para que os que se interessam por "marketing" político.

O fenômeno deve ter razões profundas, que podem dar motivo para complexos estudos. É óbvio que a participação da imprensa deve ser também estimada.

Até como contraponto à sensação de debilidade que caracterizou determinadas áreas da administração anterior, manifesta-se na imprensa ( e talvez também na sociedade, que o escolheu) uma disponibilidade para aceitar as versões do novo prefeito e de sua equipe sem examiná-las com rigor.

Maluf pe óbvio, tem procurado explorar ao máximo essa maré favorável. Sua principal peça de propaganda é o acordo com empresários de ônibus para redução do custo por passageiro de US$0,50 para US$ 0,30.

Com a participação das empresas, o prefeito conseguiu fazer circular a versão de que obrigou os empresários a aceitar um acordo para reduzir seus ganhos em US$ 1,3 milhão ao dia.

No domingo passado, a Folha, com sua enorme credibilidade, destacou na capa e em reportagem de página inteira no caderno Cotidiano exatamente a notícia dos sonhos de Maluf: "Erundina perdia US$ 1,3 mi por dia com ônibus".

A reportagem interna, não assinada e de página inteira sofria do mais grave defeito do jornalismo. Não ouvia a versão dos acusados, só a dos acusadores, que tinham interesses particulares na acusação.

Durante a semana, recebi carta do engenheiro Marro Zilbovicius, diretor Administrativo e Financeiro da Companhia de Engenharia de Tráfego na gestão Luiza Erundina. Ele chamava a atenção para a coluna do empresário Ricardo Semler, também publicada no domingo passado. Sem ler dizia em seu texto que a queda do custo por passageiro nos ônibus soava esquisito: "a história mais estranha e mal contada dos últimos tempos".

Em essência, a carta do Engenheiro Zilbovicius argumentava que o serviço prestado pelas empresas de ônibus é pago com base no custo mais uma taxa de administração. "Com tantos outros contratos, o custo por passageiro (base da argumentação da reportagem da Folha, doa empresários de ônibus e da Prefeitura -parênteses meu) não faz sentido como medida de gasto. É elementar, continua a carta, a Prefeitura não paga US$ 0,50 por passageiro. Essa é uma medida a posteriori, que decorre do número de passageiros, o denominador do quociente custo/passageiro... Mais passageiros viajando nos mesmos ônibus (=mesmos custos) significa menor custo por passageiro. Menos ônibus e mais passageiros reduzem o indicador "dólares/passageiros" mais ainda... é possível gastar exatamente a mesma coisa e reduzir o custo por passageiro, se mais passageiros viajarem."

Ao não confrontar rigorosamente os dois lados o jornal deixou de verificar argumentações técnicas poderosas, que relativizam o impacto milagroso da versão oficial. A Secretaria de Redação da Folha declara que foi uma falha não ter incluído o "outro lado" quando da publicação da reportagem no domingo passado. Mas assinala que nos dias posteriores outras versões foram ouvidas, inclusive de representantes da gestão Erundina.

É verdade, mas não foi dado o mesmo destaque e a questão do US$ 1,3 milhão ainda não sofreu checagem detalhada. A Folha ainda deve a seus leitores uma avaliação rigorosa das conquistas iniciais da administração de Maluf. Até agora o jornal tem se deixado paralisar peça coreografia do primeiro ato.

O SALÁRIO DE ITAMAR

Fax enviado por Francisco Baker, assessor de imprensa do presidente da República, protesta contra "retificação" marota feita pela Folha a respeito de informação incorreta sobre aumento de salário do presidente publicada na edição de sábado, dia 6.

A reportagem, que circulou apenas na Folha, levava o título: "Itamar concede um aumento de 30% ao seu próprio salário". Segundo o porta-voz, a notícia era incorreta, pois quem concede aumentos ao presidente não é ele próprio, mas o Congresso, através de decreto legislativo. O texto dizia que Itamar deu-se um aumento de Cr$ 26,2 milhões, o que também não teria existido, segundo o governo.

Na edição de domingo passado, a Folha publicou uma reportagem corrigindo a informação do dia anterior. Mas atribuiu a origem do erro da notícia ao próprio assessor do presidente, Francisco Beker. Este protesta, diz que é alvo de injustiça e acusa o jornal de não admitir a sua responsabilidade pelo equívoco quando seria suficientemente uma consulta prévia ao decreto legislativo promulgado pelo Congresso em dezembro para entender como são remunerados o presidente e seus ministros.

Com a palavra, a Folha.


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