Folha de S. Paulo


Folha tem que mostrar quem vota no novo imposto

A atuação da Folha na cobertura da tramitação do chamado ajuste fiscal o Congresso tem ficado aquém do que se poderia esperar. Esta é a opinião de um leitor, produtor rural de Apucarana (PR). O leitor prefere não se identificar.

Diz o leitor que a Folha não exerceu nenhuma pressão sobre os parlamentares que aprovaram este novo imposto. Ao contrário, ele julga que a proposta do governo Itamar contou com enorme tolerância do jornal. Este não exerceu a agressividade que mostrou em outras ocasiões, como na votação das diretas-já ou no recente processo de impeachment do ex-presidente Collor. O executivo conseguiu apoio na Câmara para o novo tributo sem que nenhum dos parlamentares que o apoiaram tivesse que dar maiores explicações à sociedade.

Nas decisões mais importantes do Congresso, aquelas que afetam a vida do país ou o bolso do cidadão, a atitude da Folha tem sido a de publicar relação dos parlamentares acompanhada de seu voto. Estas listas são da maior utilidade para que os leitores possam verificar a posição de seis representantes, checar se eles votam em sintonia com os interesses da população.

Agora, quando o antes ambicioso projeto de "ajuste fiscal" reduziu-se a apenas mais um imposto, o jornal inexplicavelmente deixou de exercer uma vigilância mais próxima. Nem ao menos a posição de cada deputado federal paulista foi divulgada. O caso justificava a publicação da lista completa dos deputados federais com os respectivos votos nessa decisão tão importante.

Era preciso cobrar de cada um -ao menos dos representantes paulistas- sua justificativa para que se imponha mais um encargo à sociedade sem que se tenha segurança a respeito dos benefícios.

O leitor de Apucarana estranha ainda que a Folha tenha se empenhado tanto na produção de uma denúncia inócua como a do projeto fictício que estabelecia a volta do Brasil à condição de colônia de Portugal e que agora, quando o Parlamento dá demonstração concreta de suas limitações, haja essa relativa condescendência. É bom lembrar que no caso do projeto fictício o jornal deu-se inclusive ao trabalho de publicar uma lista dos signatários na capa de sua edição dominical.

O novo imposto ainda vai à votação o Senado. Em editoriais, a Folha já declarou explicitamente que deplora a iniciativa. Falta agora possibilitar que cada parlamentar seja exposto ao julgamento dos leitores à luz das posições que são realmente assumidas em questões reais e relevantes.

O CASO DO TREM

A debilidade mais essencial no trabalho de repórteres, editores e das empresas jornalísticas é a subestimação da influência de seus preconceitos, prejulgamentos sobre a objetividade e isenção do produto que oferecem.

Episódio recente arremessou a Folha num tipo de sequência noticiosa sobre assunto em que o jornal tem poucas certezas, mas parece dispor de segurança absoluta. Trata-se do caso dos candidatos excedentes no último concurso para auditor fiscal da Receita Federal. Eles obtiveram nota mínima necessária para passarem à segunda fase do exame e agora deverão ser convocados pelo governo, através de lei já aprovada no Congresso, para completar vagas existentes no quadro da Receita.

O assunto envolve tema complexo, inclusive filigranas constitucionais. A pergunta básica é: Candidatos que tiveram acima da nota mínima em um exame mas que excederam as vagas estabelecidas pelo edital devem ser chamados quando abrem-se novas vagas ou devem submeter-se a novo concurso?

Há concursados que dizem que já passaram e querem respeitados seus direitos. Existem outros que não obtiveram a nota mínima e gostaria que se fizesse novo concurso. Outros ainda nunca fizeram o exame e querem uma oportunidade em igualdade de condições. Por último há os cursinhos e os jornais de concursos que vivem dos exames.

Todos os lados têm pareceres jurídicos a seu favor. Ambos manifestaram suas opiniões a este ombudsman e à Folha resolveu entrar no caso "chutando a porta", por assim dizer.

O título na capa ("Receita Federal terá trem da alegria") e o título da reportagem interna ("Planalto prepara trem da alegria") oriunda da Sucursal de Brasília davam o tom de denúncia e posicionavam o jornal de um lado da polêmica. O jornal considera que os concursos com nota mínima não tinham direito a ser chamados para a Receita. O texto da reportagem dizia que os concursados ("desclassificados") estão sendo chamados à revelia da lei e graças a um lobby dos interessados, que teriam influenciado os parlamentares.

Ao contrário do que recomenda o verbete "ouvir o outro lado" do Novo Manual da Redação, a Folha não veiculou naquele mesmo dia a versão dos concursados. Além disso, a reportagem publicada ampliou livremente o sentido da expressão "Trem da Alegria", de uso até então restrito aos casos de funcionários contratados sem concurso público.

No dia seguinte, "trem da alegria" saiu dos títulos e foi para o sobretítulo, isto é passou a ser a denominação geral da cobertura. Dessa feita foi publicado o que se pode chamar de um "outro lado" (o dos concursados com nota mínima ou mais), mas num texto cheio de ironias, que não ocultava o objetivo de desautorizar a validade dos argumentos das pessoas ouvidas. Veja trecho: "A comissão dos aprovados reúne candidatos reprovados no concurso da Receita Federal que seriam beneficiados pelo trem da alegria". Esse é o texto que se propões a veicular a versão doa atacados na reportagem...

A Secretária de Redação da Folha, Eleonora de Lucena, baseia-se em relatório interno do jornalista Elvis Bonassa, autor da reportagem, para defender o sio da expressão "trem da alegria" no caso. "O edital deixava claro que o concurso era para 500 vagas, não existem outros classificados a partir daí", diz Lucena.

Antes de deixar surgir todos os fatos e versões a respeito, a Folha já firmou posição. E com tal ênfase, que é quase impossível retroceder, se for o caso.

O jornal não tem a meu ver elementos nem motivos para adotar atitude tão definitiva. Não é função do jornal oferecer informações contaminadas de opinião, mas apenas informações claras e justas cm todos os envolvidos, de maneira a que os leitores cheguem às suas próprias conclusões a respeito.


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