Folha de S. Paulo


Os desafios do plebiscito

Depois de tantas eleições calcadas no apelo pessoal dos candidatos, fica difícil imaginar como a imprensa conseguirá tornar atraente a cobertura do plebiscito sobre forma e sistema de governo. Essa parece ser menos "jornalística" das campanhas. Não há candidatos em choque direto pelo poder imediato, não cabe o figurino de denúncias bombásticas que alimenta o noticiário, não se acena com realizações concretas para a população.

O eleitor será a chamado a refletir sobre temas, sem que estes sejam obscurecidos pela intermediação ostensiva das personalidades de candidatos em luta pelo poder. Ao contrário do plebiscito de 1963, este não é resultado de uma expediente designado a resolver um impasse político conjuntural. Não há grandes constrangimentos de ordem política imediata a condicionar os rumos dessa votação.

Deve constituir preocupação para a imprensa a ignorância sobre o plebiscito, mesmo entre os leitores de jornais, a elite de alta escolaridade e nível de vida. Os temas que a consulta envolve são muitos e de abordagem complicada. Alguns deles dividem há décadas os cientistas políticos e estudiosos da eficiência da administração pública. Outros, como o regime monárquico, por exemplo, prestam-se facilmente a simplificações e estereótipos. Aliás, pode-se arriscar de antemão uma tendência: a maioria dos jornalistas se inclina contra a monarquia.

Mais do que nunca, para votar em melhores condições a população dependerá da qualidade das informações que receber. A "ausência" dos candidatos na arena pode mesmo retirar o interesse da disputa e dificultar a decisão do eleitor, que não terá nem mesmo o retrospecto político dos candidatos para embasar sua opção.

Será preciso pesquisar e desenvolver uma tecnologia nova de cobertura, para a qual não existe know-how desenvolvido. Será preciso um enorme esforço de estudo para comparar, sem preconceitos, o desempenho dos regimes republicano e monárquico, bem como confrontar o retrospecto das experiências presidencialistas e parlamentaristas em vários países. O que se conseguir apurar terá que ser traduzido em linguagem simples, didática e - mais difícil -, apresentado de maneira interessante.

Do que foi feito até agora pelos jornais, é possível fazer uma avaliação inicial, favorável a esta Folha. O Guia do Plesbicito, publicado como encarte do jornal no domingo passado, trouxe as informações iniciais mais importante e mereceu elogios de setores da sociedade. Ajudou até a refrear iniciativas para adiamento do plebiscito, as quais tinham por base alegações de que a população estava desinformada.

Houve críticas também. A leitora Marta Crispim Moreira, de Colina (SP) escreveu que tinha dificuldades para entender o assunto: "Será que não tem um meio mais claro para esclarecer para nós, leigos no assunto, as novas formas de governo". O leitor Victor Bonachela, de São Paulo, viu na edição do Guia uma tendência pró-parlamentarista. Disse que o jornal publicou fotos de ACM, Quércia, Brizola e Maluf junto à reportagem sobre presidencialismo. Associado a eles, que o leitor considera antipáticos à opinião pública, o lado dos presidencialistas teria sido prejudicado.
Centrado em teses, antes que nos candidatos ou partidos, o plebiscito permite que jornais, em sua páginas de opinião, declarem o apoio a um dos lados sem tanto medo de comprometes sua imagem de imparcialidade. Esta Folha declarou-se parlamentarista em editorial na capa de domingo. O plebiscito vai também tesar até que ponto os jornais podem libertar-se da timidez na hora de exercer sem disfarces ou culpas seu papel de formadores de opinião ao mesmo tempo em que se obrigam a noticiar com equilíbrio todas as partes envolvidas. Ainda essa vez, o desenvolvimento da democracia está ligado à melhoria da qualidade do jornalismo.


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