Folha de S. Paulo


A censura dos tribunais

A campanha eleitoral que termina pode vir a se notabiliza como aquela que propiciou a volta da censura das notícias em escala ampla, pela primeira vez depois que o procedimento foi eliminado em consequência da redemocratização do regime.

A intervenção de juízes eleitorais sobre o noticiário dos meios de comunicação é hoje fato encarado com certa normalidade. Faz parte desse quadro a inusitada proibição , a pedido do PT, a que o jornalista Paulo Francis faça referências à campanha eleitoral de São Paulo nos artigos que publica em "O Estado de S. Paulo", "O Globo" e outros jornais.

Da mesma maneira, com auxílio da Justiça, a campanha de Paulo Maluf logrou a inédita publicação de uma série de artigos a seu favor na página Tendências/Debates da Folha. Alegando que estava sendo atacado sem direito a resposta, Maluf obteve a divulgação dos artigos através de medida judicial. Os testos saíram com identificação clara de que ali estavam unicamente porque atendiam a uma intimação de autoridade. Por pouco, os malufistas não pendem o direito de resposta em relação a uma coluna de Clóvis Rossi.

O judiciário prestou-se docilmente à manobra, sem dar atenção para o fato de que, quando da edição de vários artigos favoráveis a Suplicy, a campanha de Maluf foi insistentemente convidada pelo jornal e declinou. Após a publicação dos artigos pró-Suplicy, os malufistas desseram0se prejudicados, recorreram e a Justiça aceitou seu pedido.

Casos semelhantes têm se repetido. O jornal "O Estado Maranhão" teve ameaçada sua circulação por uma promotora. O semanário "Debate", o único jornal da cidade de Santa Cruz do Rio Pardo (375 km a oeste de São Paulo) está sendo processado por "desobediência" sob a alegação de que não publicou texto determinado pelo juiz.

É cada vez maior -como indica o processo que ameaça ensacar o jornal "Notícias Populares"- a tolerância diante do que parece ser clara violação do preceito constitucional da liberdade de expressão, sob várias pretextos.

A preocupação coma a equanimidade do noticiário eleitoral e com eventuais exageros no terreno da moral pode até ser correta, mas existem inúmeras maneiras para puni-las sem consagrar a censura ou a intervenção em veículos que devem ter liberdade para que a democracia tenha efeito funcionamento. Não fica bem censura a imprensa logo depois das revelações do Collorgate.

Não há regras claras, aceitas internacionalmente, para estabelecer os limites da liberdade de expressão. Como diz o advogado José Paulo Cavalcante Filho, todas as democracias têm barreiras nesse terreno, mas não há duas legislações iguais a respeito.

Parece ter chegado a hora de o Brasil definir alguma linha demarcatória consensual, eliminando ambiguidades entre preceitos legais de maneira a preservar a liberdade de expressão que é a essência do regime pós-ditatorial. O que não se pode aceitar é a reintrodução lenta e gradual da censura.


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