Folha de S. Paulo


Contrário à opinião popular

Dentre as pessoas que me telefonam ou escrevem, há, nos últimos dias, uma nítida maioria dos que cobram que a Folha investigue e "desmascare" a vida de Orestes Quércia. Muitos destes leitores argumentam da seguinte maneira: a Folha mostrou brios na fase de apurações das supostas irregularidades cometidas pelo presidente Collor e o empresário PC Farias, deve evidencias idêntica dedicação agora contra os "outros corruptos", ou seja, Orestes Quércia.

Essas manifestações partem de uma certeza, quase uma fé inabalável: o presidente do PMDB e ex-governador de São Paulo é corrupto. Se as provas não aparecerem é porque não existe disposição para tanto, porque "tá na cara que ele é ladrão". Há até quem diga que, dessa vez, o jornal não está de rabo preso com o leitor, mas com Quércia.

A opinião é a meu ver é injusta em relação à Folha. Há um ano e meio, o jornal investiga sem interrupções o caso das supostas "importações irregulares de Israel". Solitário, o repórter Frederico Vasconcelos manteve o caso vivo durante todo esse tempo. Em meio à descrença de outros órgãos de imprensa e até de ameaças anônimas.

Vale notar que esse trabalho iniciou-se ainda bem antes de que as denúncias de Pedro Collor de Mello fossem publicadas pela revista "Veja", instaurando, ao lado do ambiente de indignação generalizada contra a corrupção, uma ânsia por juízos sumários, um impulso de vingança sem controle, amparada às vezes apenas em sensações, naquilo que "todo mundo tá careca de saber", como se diz.

Não se pode confundir a expectativa criada por essa "corrente de opiniões" com o que constitui a obrigação dos jornalistas. Há situações em que ambos devem estar em lados opostos. A obrigação do jornalismo é divulgar apenas a verdade, amparada em técnicas rigorosas de checagem. O procedimento é ainda mais essencial quando generaliza-se a visão de que o jornal deve fazer campanha pra incriminar seja quem for. A maior isenção deve ser perseguida justamente nesses momentos.

E óbvio que não está a defender aqui que se isente Quércia de qualquer possível irregularidade. Ao contrário, Quércia deve ser exemplarmente investigado. Como figura pública, o presidente do PMDB deve satisfações detalhadas sobre a origem de cada centavo da fortuna que possui, a qual sustenta anúncios caros publicados em sua defesa nas capas dos maiores jornais. O ex-governador precisa ser investigado. A obrigação é ainda maior depois das diversas tentativas de impedir ou postergar a quebra de sigilo de todas suas contas bancárias e também das contas das empresas de que é sócio. Mesmo que o Parlamento e Judiciário não o façam, a imprensa tem obrigação de mobilizar as energias que puder para descobrir a verdade.

Mas essa "missão", diga-se assim, não se confunde com prejugalmento. Denominar, como as edições da Folha têm feito, de "importações irregulares" as que foram feitas pelo governo de São Paulo, retira das pessoas, instituições e empresas envolvidas na transação o chamado beneficio da dúvida, sem que exista ao meu ver evidências suficientemente claras e incontroversas para já sustentar essa avaliação. No caso, ao contrário do que ocorreu no Collorgate, há até decisão judicial que vai no sentido contrário ao das avaliações predominantes na cobertura da imprensa.

Da mesma maneira o jornal agiria de maneira mais balanceada se realizasse um esforço para publicar, ao lado das "Perguntas que ainda não foram respondidas" sobre esse caso, as alegações dos envolvidos, d modo a que os leitores pudessem por si mesmos confrontar os argumentos e tirar, ou não, suas conclusões.

O jornalista Frederico Vasconselos discorda dessa avaliação. Ele considera que tem havido um rigor e cautela ao longo desses 18 meses em que investiga o assunto. Diz que nesse período todos os lados envolvidos tiveram suas versões publicadas não apenas uma, mas várias vezes.

Vasconcelos rechaça qualquer avaliação de que o caso esteja se prestando a exploração política e devolve o argumento dizendo que essa possibilidade não deve ser alegada como impedimento a qualquer investigação. É a convicção de um dos melhores repórteres investigativos do país, e da pessoa que entre nós, jornalistas, mais conhece o assunto. Vale refletir a respeito.

ALTA E BAIXA

BAIXA para "O Estado de S. Paulo", pela divulgação em manchete na terça-feira passada de notícia dando conta de que o contrato superfaturado para construção do ramal paulista do Metrô de São Paulo foi assinado em 1986, durante a administração d Orestes Quércia. Na verdade o governo de Quércia começou em março de 1987, como o próprio esclareceu em anúncios pulicados nos jornais. São erros como esse, cometidos na sofreguidão de campanhas com interesse político, que tumultuam as operações sobre supostas irregularidades do ex-governador.

BAIXA para a imprensa na cobertura das eleições municipais. O jornalismo brasileiro ainda não descobriu como tratar de maneira interessante a discussão das propostas dos candidatos para os problemas das cidades que se propõem a administrar. Assim, o noticiário reduz-se quase que apenas ao acompanhamento das pesquisas e ataques pessoais, o que favorece os piores candidatos.


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