Folha de S. Paulo


O massacre do Carandiru divide leitores

Uma foto de capa da Folha deu margem a várias opiniões esta semana. A reação a brutalidade da cena era inevitável. Cadáveres dos presos massacrados na chacina da Casa de Detenção de São Paulo apareciam nus, lado a lado, dentro de caixas de madeira enfileiradas no chão do Instituo médico legal.

A foto saiu na edição de segunda-feira, 5 de outubro. Tão selvagem foi a carnificina ocorrida na casa de detenção que até a Folha viu-se obrigada a uma importante mudança em sua atitude tradicionalmente liberal na edição de fotos ousadas e chocantes. Para diminuir a agressividade da cena, um retoque, aplicado sobre a foto na Redação do jornal, ocultava o pênis dos mortos. A legenda informava "...a foto foi retacada devido ao impacto da imagem".

Um administrador de instituição financeira de São Paulo ligou para dizer que o jornal não tinha o direito de colocar uma foto tão chocante na capa. Declarou temer que o jornal esteja adentrando uma linha sensacionalista.

Elisabeth Cruz, de Viçosa (MG) enviou um fax condenando o que chamou de "apelação" da Folha: "Aquelas criaturas, apesar de sua condição de presidiários, são seres humanos e merecem no mínimo respeito".

A professora Maria Lurdes Narci, também de São Paulo, tem opinião oposta. Ela parabenizou a Folha pela publicação da foto. Disse que o jornal não deveria, porém, ter maquiados os cadáveres. Para ela, a publicação da foto provocava um choque muito intenso, mas esse choque não se comparava como fato em si: "O jornal deve ser o mais contundente possível para que fatos como esse não aconteçam. A publicação da foto é uma parte pequena. Ela é útil para mostrar a nossa parcela de responsabilidade, como cidadãos, nessa tragédia".

A publicação de fotos retocadas só passou a ter apoio na versão mais recente do Manual da Redação. Na anterior, editada em 1987, ainda sob os rigores do período de implantação do chamado Projeto Folha, ela era expressamente vedada. Agora, no novo Manual publicado este ano, uma redação mais vaga no verbete "fotografia" permite indiretamente que seja aceita a aposição de retoques nas fotos em casos especiais. Diz o Manual: "... Em geral, a Folha não usa montagens fotográficas, fotos recortadas, invertidas, retocadas, ovais ou redondas". Em Geral.

DIREITOS HUMANOS?

Um fenômeno cujo registro tem que ser feito foi o número (4 de 9 leitores) dos que ligaram ou escreveram para registrar sua opinião contrária ao noticiário da Folha, naquilo que eles identificam como sendo uma defesa dos direitos humanos dos detentos: "Estupraram?? Sequestraram?? Assaltaram?? E dai? Essa polícia é mesmo danada! Prendam a Polícia!!! Soltem os santinhos!!!, escreveu a leitora Marcia Guimarães de Almeida, de Franca (SP).

Levantamento do DataFolha sobre a opinião dos paulistanos, mostra que 29% dos consultados apoiam a "operação" policial que resultou em mais de uma centena de mortos. O jornal, normalmente tão seco e objetivo, resolveu no título da primeira página da quinta-feira passada, destacar o lado mais positivo e enobrecedor da notícia ("53% condenam ação da polícia"). Ficou em segundo plano, o aspecto jornalístico mais surpreendente e negativo, o de que a terça parte da população de São Paulo concorda com a ação dos açougueiros da Casa de Detenção.

ALTA E BAIXA

ALTA para a "Folha da Tarde", pela publicação, na segunda-feira passada, de fotos exclusivas da chacina, quando os corpos das vítimas estavam ainda dentro da Detenção.
ALTA para o "Jornal do Brasil" por adiantar, na sexta-feira, a indicação de Antônio Houaiss para o Ministério da Cultura.
BAIXA para a Folha, pela campanha publicitária que associa o concorrente "O Estado de S. Paulo" às pessoas idosas. A peça é preconceituosa com os velhos, o que diz o leitor Sérgio Greeco, o jornal deveria combater e não reforçar.


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