Folha de S. Paulo


Cores em disputa

A partir da edição de ontem, a Folha entrou em campanha aberta pela queda do presidente Collor, Editorial e tarja preta na capa convocavam a população a usar preto em protesto. Ontem, na véspera da data marcada pelo presidente para todos os que quisessem apoiá-lo usassem as cores da bandeira do Brasil, o jornal de maior circulação do país não apenas desconheceu a convocação como exibiu atitude de desafio explícito. Hoje, a capa do jornal circula toda em preto-e-branco e com a mesma convocação.

O editorial "Luto", também publicado na capa de ontem, exibe os lemas da nova campanha. Oito anos depois das diretas-já, mais uma vez a Folha abraça uma cruzada. "Generaliza-se a idéia de usar a cor negra com expressão do descontentamento, do protesto, da rebeldia contra um governo desmoralizado, perdido na megalomania e na inconsciência... trata-se de enunciar o sentimento que predomina neste instante: o luto". Em lugar da colorida sugestão do presidente, a Folha convoca expressamente à negra ausência de todas as cores.

A secretária de Redação da área de Edição, Eleonora de Lucena, argumenta em defesa da opção feita pelo jornal: "A Folha identifica um movimento de indignação na sociedade contra o escândalo do Collorgate. O jornal se propõe a refletir esse sentimento". Com efeito, o discurso-convocação de Collor parece ter funcionado como estimulante para um parcela dos leitores da Folha. Na sexta-feira passada, dia seguinte ao discurso presidencial, 17 leitores ligaram para mim entre 7h da manhã e 2h da tarde para sugerir ou apoiar que o jornal lançasse uma campanha pelo preto-protesto contra a cor-exaltação.

O verbete "campanha", do "Novo Manual da Redação" (págs, 14-5) prevê a eventualidade: "A Folha realiza campanha em situação especial, quando dirige seus esforções para promover determinada causa que julgue ser do interesse público. Mas obriga-se a publicar pontos de vista contrários às posições que defenda na campanha mesmo durante em seu transcurso. Em 1984, por exemplo, a Folha se engajou na campanha pelas eleições diretas para presidente da República. A Folha nunca participa de campanhas para enaltecer ou desacreditar pessoas nem serve a interesses particulares de partido político, grupo ou tendência ideológica".

A parte final do verbete é a mais valiosa. Por ela, percebesse que a Folha escolheu um caminho de alto risco. Pode auferir grandes ganhos de credibilidade, alimentar ainda mais o mito a seu redor, ou ter de suportar uma maré de desgaste de sua imagem junto ao público. Tudo depende de como, a partir de agora, for conduzido o jornal, obrigado a fulminar o governo sem dar margem, em cima do pleito municipal, a ser identificado com os partidos de oposição.

Poder-se-ia questionar -e o governo o fará se tiver forças para tanto- se a Folha não prejulga o caso, sem conceder ao presidente total chance de defesa. Mas o jornal parece interessar mais agora exercer função de formadora de opinião, dando suporte a um movimento que se generaliza nas ruas e nos gabinetes. Manifestações de rua no Rio, em São Paulo e em inúmeras outras cidades compõem um cenário em que a estrutura política governista apresenta pontos de corrosão. É curioso que muitos políticos e partidos de oposição fazem pungente esforço para transmitir imagem "neutra", "técnica", a fim de "despartidarizar" o trabalho da CPI. Enquanto isso, a Folha tenta preencher o espaço deixado aberto pelos constrangimentos éticos impostos aos políticos.

É comum que doutrinação e informação estejam em campos diretamente opostos. Mas já faz tempo que o país deixou de viver uma situação comum. A brilhante campanha das diretas-já projetou em definitivo a Folha como o jornal mais importante do país, a despeito de suas conhecidas debilidades informativas. Hoje o jornal é outro, e também evoluiu, e não há bandeira, por mais justa e necessária que pareça, que substitua a consistência informativa. Vale cuidar, com todo carinho, da informação, pois a história não se repetirá.

ALTA E BAIXA

BAIXA para a Folha por desprezar a cobertura do campeonato paulista de futebol. O comprador Sóstenes Gumarães Barreto ligou para reclamar de que o jornal deu anteontem texto diminuto sobre a goleada (5 a 0) do Corinthians sobre o Ituano na quarta-feira à noite, com show do craque Neto. E o Corinthians é o time de maior torcida. Imagine a cobertura dos jogos das outras equipes.

ALTA para "O Estado de S.Paulo" por sua cobertura do caso dos fantasmas que depositavam altas somas para assessores da ex-ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. O que não dá para entender no jornal da Marginal são seus editoriais. Já pediram a saída de Collor do poder e agora se dedicam a adulá-lo.


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