Folha de S. Paulo


Que o Natal inspire boas histórias

Na semana em que o Papai Noel se desdobra para atender encomendas e não frustrar sonhos, evoco o herói de carne e osso revelado no mês passado: Riquelme, 5, salvou a vizinha de um ano e dez meses de um incêndio em Santa Catarina.

Vestido com a fantasia de Homem-Aranha, o garoto brincava quando se deparou com a fumaça na casa de madeira ao lado e o horror da mãe que, de tão espichadas as labaredas, já desenganara a filha.

O Menino-Aranha disse à mulher que não se desesperasse. De gatinhas, venceu as chamas e puxou do berço, sem um ferimento, a criança menor que ele. Indagado pelos bombeiros sobre medo, o moleque com nome de craque argentino reagiu com a altivez dos valentes: claro que não tremeu, o Homem-Aranha nada teme.

Abandonado pela mãe, criado por avós e com o pai distante, Riquelme mostrou que super-heróis existem. E que, enquanto houver gente como ele, não faltarão boas histórias para o jornalismo contar.

Pois a Folha contou muito mal a façanha. Apurou as informações por telefone, não conversou com Riquelme e seus parentes, nem se aproximou de Palmeira, a cidade onde vive o menino.

Para noticiar o feito, editou um texto criativo como o resumo de um dia comum da Bolsa de Valores. Desgraçadamente, asfixiar histórias fascinantes tem sido mais comum no jornal que imprimi-las.

Neste ano, um juiz expulsou de uma sala de audiências no Paraná um trabalhador rural por calçar chinelos. O homem pobre não tinha sapatos. A Folha produziu reportagem sobre a covardia, mas não a publicou. Cobrada por um leitor, a Redação alegou "problema de espaço".

Espaço é menos questão de tamanho que de sensibilidade. A falta desta fez com que os depoimentos de vítimas do acidente de 1987 com o césio fossem relatados com o encanto de um parecer filatélico.

E com que o jornal não se dispusesse a viajar para ouvir os alunos de uma escola pública do interior que se associaram à professora em uma vaquinha para assinar a Folha -só se leu a palavra da mestra, ouvida da capital.

Boas histórias jornalísticas não são compulsoriamente edificantes ou guardam final feliz. Ao falar de um ou uns poucos, seduzem mais que a prosa fria impessoal.

A Folha deveria se inspirar no Natal, no espírito das suas narrativas cativantes, para buscar grandes histórias e contá-las com sabor.

A todos, um feliz Natal.


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