Folha de S. Paulo


O jornal previsível

O jornal previsível pode ser o triunfo ou a desgraça.

O bom jornal previsível contém o que os leitores esperam: assuntos, abordagens, serviços, até idiossincrasias. Oferece -ao menos busca oferecer- informações com os padrões a que se habituou.

No mau jornal previsível escasseiam as surpresas. Ele não é curioso ou provocador. Soa tristonho, apático e sem graça. Ao primeiro olhar, reage-se a ele com a impressão de que se pode adiá-lo para mais tarde.

O jornal ideal equilibra-se: é previsível ao atender às expectativas cotidianas de quem o lê; e se recusa a ser previsível porque surpreende, identificando com agilidade as novidades que transforma em informação. No limite, consagra como previsível o ato de surpreender.

Há jornais que, por caráter, podem dispensar surpresas. Não é o caso da Folha. Nos últimos anos, contudo, ela se fez mais previsível, no sentido jornalístico indesejável.

A aparente falta de ousadia ocorre em momento no qual os chamados jornais brasileiros de prestígio se assemelham. Os concorrentes mimetizaram inovações que a Folha introduziu com sucesso.

No mundo inteiro, sob o impacto da internet, os diários impressos se defrontam com uma crise que talvez seja a maior da história.

O jornal em papel precisa produzir mais que o resumo inspirado dos acontecimentos da véspera, embora esse ainda seja o seu dever essencial.

Com informações cada vez mais fragmentadas, cabe ao jornal organizá-las como o jornalismo em outras mídias não consegue, por enquanto.

A despeito de liderar o mercado, a Folha não ostenta mais a tiragem pré-internet. Tem cortado jornalistas, papel, correspondentes nos Estados e no exterior, mecanismos de checagem de erros.

Relaxa na aplicação do projeto editorial que cultiva o jornalismo crítico (falha ao ser ingênua), apartidário (tropeça no noticiário enviesado) e pluralista (quando não vai além do pensamento único).

Nesse cenário mais complexo e desafiador para o jornal, do ombudsman se exige ser a melhor síntese possível do interesse dos leitores. É a isso que me dedicarei a partir de agora como o novo ouvidor.

Hoje a Folha reconhece seus erros mais vezes e com mais rapidez do que antes de ter um ombudsman. É pouco: respeitar o leitor é, sobretudo, informar com correção.


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