Folha de S. Paulo


Lição de 2016: precisamos celebrar a vida

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Que tenhamos muitos e longos anos para celebrar a vida
Que tenhamos muitos e longos anos para celebrar a vida

O que seria de nós, se não fosse o dedo-duro maroto do Facebook? Ele me lembrou de que em 2014 já havia uma campanha pedindo que o ano acabasse mais cedo. Adivinhem o que as pessoas pediam em 2015? Pois é... #acaba2015. E de novo passamos o último mês do ano com pressa para dar adeus a 2016. A hashtag está virando tradição, assim como usar branco e estourar champanhe. Já tem mais partidários de que o ano acabe mais cedo do que coxinhas e petralhas.

Do jeito que a coisa anda dezembro será cancelado em 2017. Assim evitaremos conviver por mais tempo com os planos que não deram certo, com as frustrações que tivemos que encarar, com a morte de nossos ídolos, com essa coisa que se chama vida. A gente se apega ao calendário e coloca nele a responsabilidade de que os acontecimentos se encaixem nos dias, nas semanas, nos anos de nossa preferência. E quando não é assim, a gente bate o pé, feito criança birrenta e diz que não quer mais. Próximo.

Como se em primeiro de janeiro de 2017 ganhássemos, embrulhada para presente, uma versão novinha para usar e abusar, como se as pessoas fossem outras, os problemas desaparecessem a partir dali. Para em março todo mundo reclamar que o tempo está passando rápido demais, que a vida não cabe no calendário, que já é junho, que o ano acabou.

Como dizem por aí, parem. Apenas parem.

A gente precisa ter a capacidade de olhar para o lado bom da vida, que é poder viver. Nesta quarta (28), o Facebook me lembrou também do aniversário de um primo querido, que se foi tão cedo e que adoraria estar aqui, ainda que no caos em que vivemos. Estamos vivos. Podemos nos indignar, gritar, brigar, mas parem de acelerar o tempo. O tempo é a coisa mais preciosa que temos.

Quero que o tempo passe devagar para poder abraçar as pessoas que amo, acordar cedo para trabalhar ou para procurar um emprego novo, para ver o sol nascer durante as férias, ler um livro enquanto chove lá fora, tomar um chopinho no fim de tarde com amigos queridos, dormir na rede, fazer maratona de séries, ganhar chocolate na Páscoa, comemorar o Dia das Mães, comer rabanada no Natal, pular ondinhas na virada.

Tudo em seu tempo. Não quero que a vida o atropele. Quanto mais ele passa, mais as pessoas que amamos envelhecem. Nessa pressa, perderemos mais rapidamente nossos avós, pais, tios, amigos, até que chegue a nossa hora.

A gente apressa a semana para ter sábado e domingo, e não se dá conta de que teremos muito mais terças e quartas em nossa vida do que o contrário. Tem que ser bom, na medida do possível. Comecei a celebrar as segundas como se fossem um Réveillon semanal, como se tivesse ganho mais um sopro de vida, mais uma chance de fazer diferente e de ser feliz. Nunca mais sofri domingos à noite.

Quero celebrar o começo de um novo ano, não porque os problemas irão embora quando der meia-noite, mas porque para a maioria de nós a vida ainda é possível. E precisamos dessa coisinha subestimada chamada tempo inclusive para lidar com o lado ruim dela.

Acho que não é preciso falar das guerras, das injustiças do mundo, da violência, do preconceito, da pobreza, da corrupção. São questões que não se resolvem da noite para o dia, e que estarão nos esperando no raiar de 2017.

Um ano a mais de vida é um a menos para viver. A cada ano perderemos mais pessoas que admiramos. Achou 2016 pesado? Em 2017 tem mais. Infelizmente. Tenho certeza de que Bowie, Prince, George Michael, Carrie Fisher gostariam de ter ficado mais por aqui. Não tiveram justamente isso que a gente quer se livrar: tempo.

Que tenhamos muitos e longos anos para celebrar a vida. Feliz 2017 a todos.


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