Folha de S. Paulo


E se um para-atleta se mostrasse superior aos atletas convencionais?

Pode um atleta paraolímpico disputar uma Olimpíada?

Vira e mexe, a pergunta vem à tona. Antes de Londres-2012, Oscar Pistorius levantou a polêmica, brigou e ganhou sua vaga.

Não que o intercâmbio entre as competições seja tabu em si. Mas o caso do sul-africano saltava aos olhos: ele é biamputado e usa próteses nas duas pernas.

Na Olimpíada, o corredor chegou à semifinal dos 400 m e à final do revezamento 4 x 400 m. À época, era uma estrela grande paraolímpica, mas não mostrava tempos que pudessem incomodar muito a elite olímpica.

Mas o que aconteceria se um para-atleta com prótese se mostrasse superior aos competidores do esporte convencional? Se fosse um candidato ao ouro em qualquer disputa, contra qualquer rival, com ou sem deficiência?

É essa polêmica que o atletismo paraolímpico encara agora. Markus Rehm não tem parte de uma das pernas. Usa prótese para saltar. E como salta longe.

Com seu recorde mundial, de 8,40 m, o alemão teria vencido o salto em distância nos Jogos Olímpicos do Rio com 2 cm de vantagem sobre o medalhista de prata.

Rehm não encontra rivais à altura entre os paraolímpicos, por isso, quer competir em campeonatos convencionais. Mas ainda enfrenta resistência e olhares tortos. O problema é a prótese.

Será que a lâmina de fibra de carbono que ele usa não lhe dá uma vantagem desleal? Sem ela, ele saltaria tanto?

Sem saber como responder a essa pergunta, a Iaaf (federação internacional de atletismo) decidiu que o atleta que quer uma vaga na Olimpíada tem de provar que a prótese não é mais eficiente do que pernas íntegras. Ou seja: transferiu a responsabilidade ao competidor.

Rehm correu atrás. Um estudo de profissionais de universidades e instituto de pesquisa de Colônia (Alemanha), Tóquio (Japão) e Colorado (EUA) analisou o desempenho do alemão e chegou a duas conclusões: a prótese ajuda na eficiência do salto, mas atrapalha o atleta na corrida.

O salto em distância é, grosso modo, composto de duas fases. Na primeira, o atleta corre para ganhar velocidade, essencial para a segunda etapa. Ao chegar a uma marca determinada, ele salta, transformando essa velocidade em impulso horizontal.

Rehm teria mais dificuldade na primeira fase da prova por causa da prótese, mas se beneficiaria de um impulso maior do equipamento na hora do salto.

Ele tem vantagem clara sobre os atletas sem deficiência? Difícil cravar.

O que é inegável é sua superioridade contra paraolímpicos. No Mundial de 2015, o segundo colocado marcou 7,26 m, mais de um metro a menos do que os 8,40 m de Rehm. Todos usam próteses. Se elas dessem tanta vantagem assim, não era de se esperar mais gente saltando tão bem quanto o alemão?

Ele diz que nem se importaria em competir em eventos com atletas sem deficiência ficando fora da disputa de medalhas, como um convidado especial. Quer apenas se sentir desafiado, algo que não acontece quando está em eventos paraolímpicos.

Com o desenvolvimento cada vez maior dos treinos e da qualidade dos atletas com deficiência, essa questão deve ser cada vez mais discutida, e novos Pistorius e Rehms devem aparecer.

Em modalidades em que não há uso de próteses, ela já foi superada. Qualquer um pode competir. Mas quando o equipamento entra em cena, ainda há muitas dúvidas a serem respondidas.


Endereço da página:

Links no texto: