Folha de S. Paulo


Correr atrás do rabo

Uma zebra que desbanca grandes favoritos, um desconhecido que chega ao pódio de repente, um atleta que estabelece uma supremacia inatingível. Resultados assim são fascinantes, criam lendas e são combustível para o esporte. Mas também podem ligar o sinal de alerta. Muitos são fruto de anos de trabalho duro e talento. Outros, no entanto, podem ter sido impulsionados por um ingrediente indigesto: o doping.

Por mais que a tecnologia evolua e que o número de testes aumente, quando o assunto é combater a trapaça, o esporte ainda parece estar correndo atrás do próprio rabo.

No ano passado, foram realizados 283.304 controles em todo o mundo, segundo a Wada (Agência Mundial Antidoping). Destes, 3.866 apresentaram algum tipo de substância proibida (1,36% do total). Em relação a 2013, foram 15 mil exames a mais, e o número de positivos caiu.

Parece boa notícia. Mas ouvir o prognóstico da Wada à BBC pode fazer você passar a enxergar com outros olhos o que ocorre nas competições. Segundo a entidade, mais de 10% dos atletas trapaceiam.

O futebol é o esporte que mais faz testes. Em 2014, 144 das 31.242 amostras (0,5%) apresentaram substâncias proibidas. Em números absolutos, o atletismo teve mais casos: 261 ou 1% do total de exames.

O campeão de doping entre os esportes olímpicos foi o levantamento de peso, com 169 casos de 8.806 testes (1,9%). Não é difícil imaginar que atletas que precisam levantar centenas de quilos recorram a substâncias proibidas para aumentar a força, mas os dois esportes que aparecem logo abaixo surpreendem: hipismo (1,8% positivo) e golfe (1,6%).

O alcance do combate antidoping depende da qualidade dos testes –há substâncias que não são detectadas com facilidade– e de quem os executa. O controle envolve diferentes agentes, e o empenho de cada um deles faz muita diferença.

Um atleta pode ser testado no torneio local, por quem comanda o esporte em sua cidade ou seu país, e também por federações internacionais ou comitês olímpicos. Pode ainda ser surpreendido em casa por um teste da Wada ou da agência de controle antidoping de seu país.

China e Rússia testaram mais de 12 mil atletas cada uma em 2014. Já a agência antidoping da Ucrânia fez só dois exames –um positivo.

Não só atletas e técnicos são suspeitos de trapaças. Este ano, por exemplo, foi recheado de controvérsias. O "Sunday Times" revelou que a Iaaf, que controla o atletismo, teria acobertado milhares de casos entre 2001 e 2002 –146 medalhas olímpicas teriam sido obtidas ilegalmente. Uma TV alemã acusou dirigentes russos de criarem um esquema sistemático de dopagem.

Aumentar o número de testes é importante, mas ainda há muitas pontas soltas neste controle. Se a Wada estiver certa, 10% dos atletas estão competindo sujos, e menos de 2% dos que são testados são pegos.


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