Folha de S. Paulo


A agonia de Cuba

As calçadas ficavam tomadas de meninas e meninos. A rede presa à árvore atravessava a rua bem em frente à minha casa. Pedaços de tijolo escreviam as linhas que demarcavam a quadra. O portão virava arquibancada e banco de reservas de quem esperava a vez de jogar. E assim passávamos manhãs, tardes e até noites jogando vôlei.

No imaginário de todos, os ídolos que víamos na TV, que começavam a subir ao pódio olímpico. Como os garotos que invocavam Taffarel na hora da defesa em um jogo de futebol após a Copa de 1994, na quadra de vôlei todos queriam ser Maurício, Tande, dar um saque viagem como Renan ou arriscar um Jornada nas Estrelas do Bernard –que quase nunca dava certo.

No vôlei feminino, Isabel e Vera Mossa começavam a dar lugar a Ana Moser, Ana Paula e Fernanda Venturini. E a saga de tentar subir ao pódio ganhava ares dramáticos a cada campeonato. A qualquer momento podíamos cruzar com nosso maior pesadelo: Cuba.

As vilãs tinham cara, nome e cortadas fulminantes. Regla Bell, Mireya Luis, Carvajal e tantas outras cubanas que amávamos odiar. Como era difícil ganhar delas. A cada jogo, uma batalha. Uma rivalidade que tirava o melhor de cada atleta, de cada time –às vezes o pior também, basta lembrar dos sopapos trocados na semifinal em Atlanta-1996.

Os meninos e meninas de hoje não conhecem essa rivalidade. A seleção feminina é bicampeã olímpica, e as cubanas, nem sombra do que foram um dia.

A equipe que nos provocava arrepios ganhou três ouros em Olimpíadas (Barcelona-1992, Atlanta-1996 e Sydney-2000), além do bronze em Atenas-2004. Hoje, ocupa um pífio 28º lugar no ranking mundial e não foi aos Jogos de Londres.

As dificuldades econômicas e o veto do governo à atuação em ligas do exterior fez com que muitas jogadoras deixassem o país para jogar fora ou simplesmente largassem o vôlei.

A ilha também não tem conseguido repor talentos. Mireya, hoje diretora das seleções, sonha com um patrocínio que ajude o time a voltar a viajar para competir mais. Só com verba do governo, não dá.

Nesta semana, na Copa do Mundo do Japão, que dá vaga na Rio-2016, as cubanas protagonizam mais um triste capítulo dessa trajetória de queda. Até essa quinta (3), haviam vencido apenas dois de seus oito jogos, contra as fraquíssimas Argélia e Quênia.

Cuba já sinalizou com algumas flexibilizações para tentar manter os atletas, mas ainda pena para reverter essa decadência.

Para quem aprendeu a apreciar o vôlei amando e odiando as cubanas, não há como não se entristecer. A russa Gamova e as americanas até conseguem nos tirar do sério hoje, mas não com a mesma intensidade de outrora. Não a ponto de virarem vilãs para a molecada em redes montadas numa rua qualquer.


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