Folha de S. Paulo


Sobre medalhas e bundas

Ingrid Oliveira teve um Pan inesquecível. Mas não apenas pelas razões que gostaria.

Esportivamente, seu desempenho foi notável. Nos saltos sincronizados, ao lado de Giovana Pedroso, derrotou as mexicanas vice-campeãs da Olimpíada de Londres-2012. Foi uma daquelas disputas dos Jogos Pan-Americanos em que uma medalha vale, sim, muito.

Mas o público se lembrará de Ingrid por algo que aconteceu antes mesmo de ela fazer suas acrobacias. Por causa de uma foto que a atleta postou em uma rede social. Ingrid estava sentada na plataforma, apontando para o placar eletrônico que mostrava o logo do Pan. De costas, usava um maiô cavado, aquele mesmo que ela (e todas as saltadoras mundo afora) usa para competir.

Foi o suficiente para ser alvo de comentários impublicáveis. Ofendida, apagou os textos um a um e disse que não queria aquele tipo de atenção. Tarde demais. Ela já havia sido eleita a musa do Pan.

Basta começar um grande evento esportivo para ter início uma caça às musas. Na era dos cliques, rostos bonitos e corpos sarados fazem a festa da mídia e dos torcedores. Um sinal claríssimo de que ainda não sabemos lidar direito com o papel da mulher no esporte.

A beleza, muitas vezes, é mais valorizada do que a performance. Existem, claro, mulheres atletas que gostam de chamar atenção por seus atributos físicos, e não há nada de errado nisso. Mas a maioria prefere ser reconhecida por muito mais do que apenas sua aparência.

Será que isso é um jeitinho unicamente brasileiro de tratar o esporte feminino? No sábado (11), tivemos mais um exemplo que não. Serena Williams conquistou seu sexto título de Wimbledon. Mais três vitórias e será a maior vencedora de Grand Slams da história. Está a poucas semanas de se tornar a atleta que mais tempo ficou no topo do ranking mundial. Podemos estar diante da maior tenista de todos os tempos.

Mas toda vez que essa norte americana atinge um feito que deveria desencadear essa discussão, outra, bem menos nobre, rouba a cena. E o foco é sempre seu corpo.

Serena é grande, forte e bonita. Mas não leva jeito para ser musa estilo princesinha como Maria Sharapova, a beldade russa loirinha e magrinha que é uma de suas principais rivais. Serena tem pernão, coxão, bundão, bração e bate na bola com mais força do que muitos homens.

Uma máquina de jogar tênis. Só que ainda ouve críticos dizerem que é masculina demais, forte demais. Pior do que os ataques machistas só mesmo os racistas, que frequentemente a comparam a um macaco.

Ingrid e Serena estão muito distantes esportivamente. Mas são dois exemplos de como ainda não se consegue avaliar e admirar a mulher esportista apenas por sua eficiência. Ainda precisamos aprender que a beleza do esporte está na medalha, não na bunda.


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