Folha de S. Paulo


'Brexit' e plebiscito na Colômbia são sinais do ano do cisne negro

Em minha última coluna de 2015, argumentei que o presente ano seria de elevado risco.

Tinha em mente a escalada "populismo-protecionismo" mesmo nas democracias mais avançadas. O baixo crescimento da economia global. O poder fragmentário do terrorismo empreendido por aberrações como o Estado Islâmico. O avanço da desglobalização.

Vivemos, no entanto, mais do que um período de nervos à flor da pele. Para além de perigos onipresentes, o que caracteriza 2016 é uma sucessão de acontecimentos altamente improváveis —os chamados "cisnes negros".

Essa metáfora, concebida originalmente no ambiente dos mercados financeiros, serve para ilustrar uma ocorrência que se distancia muito do que normalmente se espera, e portanto difícil de prever.

Mike Segar/Reuters
Donald Trump, candidato republicano à Presidência dos EUA, em comício de campanha em Prescott Valley, no Arizona (EUA)
Donald Trump, candidato republicano à Presidência dos EUA, em comício no Arizona

Tal noção ingressou em definitivo no léxico econômico a partir do livro "A Lógica do Cisne Negro: O Impacto do Altamente Improvável", de Nassim Nicholas Taleb, professor de finanças da Universidade de Nova York, que acumula larga experiência de análise de risco em Wall Street.

Lançado em 2007, foi considerado pelo "Sunday Times" um dos doze livros mais influentes do mundo desde a Segunda Guerra Mundial.

Taleb baseou seu título na maneira chocada com que os europeus receberam pela primeira vez a notícia de que havia cisnes negros na Austrália. Até então, as pessoas do Velho Continente só dispunham de informações dando conta que todos os cisnes eram brancos.

No mercado financeiro, muitas análises de risco se sustentam em dados históricos. Como, na linha dos europeus, o passado só lhes mostrara cisnes brancos, o aparecimento de um cisne negro torna muitos paradigmas inúteis.

Para Taleb, no entanto, mais importante do que uma maior ou menor regularidade de eventos do tipo "cisne negro", é o fato de que, quando ocorrem, tendem a produzir efeitos catastróficos.

Quem poderia supor que o candidato à Casa Branca pelo Partido Republicano se tornaria uma das vozes mais ferrenhas contra o livre comércio?

E mais, caberia na cabeça de alguém que um postulante republicano à Presidência dos EUA diria que a Otan (aliança militar ocidental) é obsoleta —e que ele e o titular do Kremlin promovem um fluxo de elogios recíprocos?

O abalo sísmico promovido pelo "brexit" é mais um desses eventos excepcionais de 2016. Como é também assistir aos alemães, que devem às exportações grande parte de seu reerguimento econômico no segundo pós-guerra, desfilando pelas ruas em protesto a acordos de livre comércio.

Quem apostaria que, após meticulosa costura político-diplomática, a maioria dos colombianos optaria pelo "não" ao acordo de paz entre Bogotá e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)?

Mas nem todos os cisnes negros de 2016 são potencialmente destrutivos. Pelo contrário, são salutarmente bem-vindos.

Quem vislumbraria a Argentina como ponto referencial de reformas institucionais liberalizantes e, agora, uma força que pode inflexionar o Mercosul em direção a objetivos menos ideológicos e mais pragmaticamente comerciais?

A Lógica do Cisne Negro
Nassim Nicholas Taleb
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O Brasil também dá sua contribuição a essa coleção de imponderáveis. Dilma Rousseff há quatro anos tinha popularidade na casa dos 70%. Projetava-se longa vida para o nacional-desenvolvimentismo, a nova matriz econômica e a predileção pelo terceiro-mundismo na política externa. Hoje é carta fora do baralho.

E João Doria Jr., prefeito eleito em primeiro turno de uma das dez maiores cidades do mundo, há seis meses era apenas um empresário desconhecido de imensa parte do eleitorado.

No horóscopo chinês, cada rodada de doze meses tem por símbolo um animal —o presente ano é o do macaco. Mas 2016, a bem da verdade, está mais para um "ano do cisne negro".


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