Folha de S. Paulo


China sem consenso para reforma

Muito se especulou sobre as mudanças divulgadas pelo Partido Comunista chinês na reunião do seu Comitê Central nesta semana. O próprio partido alimentou as especulações. Yu Zhengsheng, ex-chefe político de Xangai, o quarto homem na hierarquia, antecipou que anúncios sem precedentes seriam feitos.

No mundo e na própria China, criou-se a sensação de que uma grande virada estava por acontecer. Em estatais chinesas, armou-se um clima de insegurança. Qual seria o destino das empresas públicas?

O resultado da reunião foi bem menos expressivo do que se antecipou. O comunicado emitido pelo Comitê Central menciona 22 vezes a palavra reforma.

Mas, ao fim e ao cabo, as decisões mais importantes foram genéricas: incorporar as reformas na agenda política, o que muitos já davam como óbvio, e criar um comitê para detalhá-las, o que parece uma medida protelatória.

Ao lado disso, estabeleceram-se algumas diretrizes gerais para o futuro: a alocação de recursos na economia seguirá parâmetros de mercado, a gestão pública estará baseada em regras, haverá reforma tributária e da previdência social, permanece vigente a estratégia de criar zonas econômicas especiais.

A conclusão mais evidente a tirar é que o partido precisa primeiro mudar a si mesmo para depois mudar a China. Muitos dentro da instituição parecem não entender como é possível reformar, abrir mão do campo coletivo e do papel central das estatais mantendo o comunismo. Formar consensos é mais complicado do que se antecipou.

As reações foram bastante frias. Um dia depois do término do encontro, Wang Jianlin --líder empresarial que nunca passa despercebido, por ser o homem mais rico da China-- declarou que, se as reformas não tocarem o governo, o povo ficará desapontado.

O "China Business News" sugeriu que o governo movesse o poder dos níveis mais baixos para os mais elevados para tratar dos temas tributário e financeiro; uma indicação para a liderança se impor.

E a revista "Caixin" reconheceu que os grupos com diferentes interesses se ampliaram muito na China. Sua mensagem é que, para promover reformas, será necessário desenhar uma moldura intelectual nova, dar uma roupagem aceitável aos temas do campo e das estatais, inventar novos conceitos que possam se impor aos bloqueios ideológicos e convencer os conservadores de que a China reformada ainda vai ser comunista.

O que se diz agora é que o partido divulgará detalhes das minutas do Comitê Central para mostrar que houve mais substância do que se imagina.

Talvez a reunião acabe ajudando a provocar um debate mais aberto sobre as reformas, o que, por si só, já será positivo. Talvez traga à tona as divergências que todos sabem existir, mas que parecem varridas para debaixo do tapete. Talvez não.

Mas, se as divergências não forem resolvidas, os sonhos de uma China vibrante e poderosa poderão murchar mais rapidamente do que se imagina. Com isso, o ambiente e o humor positivo nacional naturalmente se alterarão.


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