Folha de S. Paulo


Americanos discutem militarização da polícia

As cenas de batalha campal que apareceram na TV, depois que um policial assassinou, em Ferguson, um jovem negro desarmado, têm provocado reações e debates na imprensa e nos meios políticos americanos. São questões que encontram correspondência no Brasil –onde se manifestam, na realidade, de maneira bem mais dramática.

O tema central, como não poderia deixar de ser, é a permanência do viés racista na atuação da Justiça e das polícias. Mesmo setores da opinião pública conservadora vieram a público para criticar a evidência de que o Estado discrimina e trata negros e pardos ("browns") como cidadãos de segunda classe. São os supeitos habituais e o alvo preferencial da repressão e das condenações judiciais.

Mas uma outra faceta do episódio também veio à baila: o processo de militarização das polícias. A presença nas ruas de homens com uniformes camuflados, portando armamento pesado e usando veículos blindados chocou muita gente e lembrou aos americanos que o perfil da segurança pública mudou nos últimos anos.

A ameaça de ataques, depois do 11 de setembro, levou o governo federal a armar as polícias locais como parte da estratégia de prevenção e combate a grupos terroristas, embora os primeiros programas do Pentágono nesse sentido sejam, na verdade, anteriores ao atentado –ligados à guerra contra as drogas.

No governo de Barack Obama, nada mudou. Durante a administração do democrata, os departamentos de polícia receberam dezenas de milhares de metralhadoras, municão, aparelhos de visão noturna, silenciadores, carros blindados e aeronaves.

Houve diversas manifestações de desconforto e indignação com as imagens de Ferguson. Mesmo entre republicanos, mais propensos a relevar a truculência policial, vozes se levantaram. O senador Rand Paul, por exemplo, disse que as cenas na TV mais pareciam uma guerra do que uma ação tradicional de polícia.

Agora Obama promete rever as doações de equipamento militar às corporações locais. Discute-se se há treinamento adequado e levanta-se a hipótese de transferir as armas para a Guarda Nacional –que as cederia em ocasiões específicas.

Haverá, certamente, resistências ao desarmamento, e é difícil saber até que ponto e quando esse processo poderá ser revertido. De qualquer forma, chama a atenção que o assunto seja amplamente debatido pela sociedade e que o presidente da República e parlamentares da oposição critiquem a violência e defendam mudanças.

Enquanto isso, no Brasil, a polícia habitualmente desrespeita os direitos de cidadãos, invade residências em favelas sem autorização judicial, prende arbitrariamente, persegue pobres e negros e mata como nenhuma outra, protegida pela cumplicidade dos governantes e pela aprovação cínica de falsos defensores da democracia. E as estatísticas da criminalidade continuam assustadoras.


Endereço da página: