Folha de S. Paulo


Os amigos divididos quase elegeram Aaron Burr

Mike Stewart/Associated Press
Monte Rushmore, nos EUA, com os bustos de George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln e Theodore Roosevelt
Monte Rushmore, nos EUA, com os bustos de George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln e Theodore Roosevelt

Os dois enganaram o criador por tempo demasiado para os padrões da época. Thomas Jefferson tinha 83 anos, e John Adams, 90, ao morrerem em 4 de julho de 1826, exatamente no dia que celebrava os 50 anos da Declaração da Independência, escrita por Jefferson. Antes de morrer, Adams exclamou: "Thomas Jefferson sobrevive", sem saber que o amigo se fora havia poucas horas. Sobrevivia, apenas, a República que ambos ajudaram a inventar.

Não podiam ser mais diferentes, conta Gordon Wood no recente "Amigos Divididos".

Jefferson pertencia a dois mundos. Erudito e escritor sofisticado, tinha o refinamento e os vícios da elite, dedicou sua vida à causa pública, defendeu a liberdade e admirava a Revolução Francesa, ainda que possuísse escravos. Fascinado por arquitetura, sua casa se destacava pelas soluções engenhosas e pela adega memorável de vinhos de Bordeaux. Fundou a Universidade da Virgínia e propôs um Novo Testamento. Conviveu com duas mulheres. Uma, oficial e branca, morreu cedo. A segunda, escrava e negra, assistiu seus filhos crescerem em meio à liberdade ambígua, em que não se sabiam descendentes ou propriedade. Morreu endividado.

Adams, em retrospecto, era o mais moderno. Sua atitude ríspida revelava o burguês indignado, dominado por ideais republicanos. Começou na vida pública defendendo soldados britânicos que reagiram com violência a manifestações igualmente violentas dos colonizados. Não conquistou amigos ao defender a justiça. Assim seria pelo resto da vida. A correspondência com sua esposa Abigail surpreende pela honestidade de um e pela inteligência da outra. Seu filho foi presidente dos Estados Unidos e combateu a escravidão.

A amizade que compartilhava um projeto de país foi rompida pelas circunstâncias e por divergências sobre a autonomia dos Estados.

Adams foi o segundo presidente americano. Jefferson foi o terceiro. No meio, a tumultuada eleição de 1800. Não havia partidos. O mais votado pelos delegados era eleito presidente; o segundo, vice. A política, porém, já se organizava em grupos e o de Jefferson também apoiou Aaron Burr, que, esperava-se, seria escolhido vice-presidente.

Jefferson e Burr terminaram empatados em primeiro lugar. Nas rodadas seguintes, o grupo de Adams apoiou Burr. O resultado foram 35 votações em que nenhum dos dois obteve maioria. Apenas na 36º Jefferson foi eleito.
Burr foi personagem controversa. Traiu a confiança de amigos, matou Alexander Hamilton em um duelo e se envolveu em diversas encrencas.

Jefferson e Adams, reconciliados, trocavam cartas e memórias perto do fim. A amizade dividida, porém, quase resultou na eleição de Burr. Como será por aqui em 2018?


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