Folha de S. Paulo


Organizando a oferta para exportar

Uma das falácias mais repetidas no Brasil é a excessiva dependência de commodities, cujos preços estariam vivendo um novo ciclo de baixa que prejudicaria toda a economia.

Ocorre que a conta do bem-estar não pode ser feita apenas pelo lado dos "preços". Primeiro, porque quedas de preços em dólares podem ser neutralizadas por desvalorizações cambiais, como a que ocorreu com o real desde 2012. Podem também ser impactadas pelas relações de troca entre produtos e insumos.

Neste momento, por exemplo, a abrupta alta do preço do milho no Brasil, puxada pela forte demanda mundial e pela desvalorização cambial, está afetando a produção e a exportação de aves e suínos.

Além disso, a receita das exportações não é dada apenas pela variação dos preços, mas também pelas quantidades exportadas. No caso do agronegócio brasileiro, os preços em dólares caíram 30% desde o último pico de preços, em 2011, mas os volumes exportados cresceram 40%.

Nessa história, os agentes gastam muita energia tentando entender e se aproveitar da ciclotimia dos preços. Mas os preços são variáveis aleatórias, cujo papel é, portanto, continuar variando aleatoriamente.

Gastam, também, bastante tempo falando da demanda potencial, que nas commodities tende a continuar crescendo de forma acelerada, acompanhando o aumento da população e da renda per capita.

No meu entendimento, o grande desafio não está na demanda ou nos preços, mas sim na organização estratégica da oferta, na forma como o país e suas empresas se inserem competitivamente no mundo globalizado.

Um dos maiores desafios é retomar as negociações que garantam acesso a mercados. Na parte das barreiras tarifárias, há 15 anos não negociamos nenhum acordo comercial de relevância. Enquanto isso, EUA, Europa, países da costa pacífica das Américas e os grandes players da Ásia e da Oceania multiplicaram seus acordos, criando condições preferenciais de acesso que já estão nos deslocando de mercados importantes. O Ministério da Agricultura tem provocado o governo para avançar nessa agenda, mas ainda falta senso de urgência e maior coordenação intraministerial.

Mas o pior são as barreiras não tarifárias –técnicas, sanitárias, burocráticas e outras–, que dificultam ou literalmente impedem o comércio de alimentos de maior valor adicionado, como no caso das proteínas animais. Por exemplo, Índia, Indonésia, Nigéria, Etiópia e Sudão somam quase 2 bilhões de habitantes, que consomem menos de 5 kg de frango por habitante/ano, ante 45 kg no Brasil. A demanda potencial é realmente extraordinária, mas todos os cinco países encontram-se literalmente fechados para o Brasil.

Na Ásia-Pacífico, hoje a região mais dinâmica do planeta, os países que obtiveram melhores resultados em acesso aos mercados são a Austrália e a Nova Zelândia, após desenvolverem estruturas sofisticadas de representação e negociação.

Governo, empresas e associações que agregam as cadeias produtivas de ponta a ponta atuam de forma coordenada, oferecendo produtos com marcas e selos que já conquistaram um espaço diferenciado na preferência dos consumidores. Ciclos periódicos de preços baixos não são problema quando o país se organiza para acessar os consumidores e ofertar de forma diferenciada.

No agronegócio a demanda potencial é imensa, quase infinita. O potencial que o Brasil tem de gerar oferta está entre os maiores do planeta. O desafio está na capacidade de se organizar direito para ligar uma coisa à outra.


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