Folha de S. Paulo


Número pi parece esquisitão, mas é fonte inesgotável de maravilhas

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Constante foi chamada de pi pelos gregos, que é a inicial de perímetro
Constante foi chamada de pi pelos gregos, que é a inicial de perímetro

O famoso físico Stephen Hawking conta em um dos seus livros um conselho que recebeu do editor: "Nunca use fórmulas matemáticas! A cada fórmula, o número de leitores (e de compradores) do livro cai pela metade!"

Fosse porque desejava se comunicar com muitos leitores ou porque não queria arriscar sua renda, Hawking seguiu à risca a dica recebida. Mas hoje acordei com vontade de falar sobre o misterioso número À. Espero que os leitores pouco familiarizados com o tema se sintam intrigados e não intimidados.

Todos nós fomos apresentados ao À na escola, mas acredito que para muitos isso tenha sido mais motivo de desconforto que de encantamento. Para a maioria, fica apenas a impressão de que se trata de um esquisitão, "um número que não acaba nunca". É pena, porque o À é realmente uma fonte inesgotável de maravilhas.

Os gregos da antiguidade já sabiam que, quando desenhamos um círculo, o seu comprimento (que eles chamaram de perímetro, ou circunferência) é proporcional à largura (melhor, ao diâmetro). Ou seja:

perímetro = constante vezes diâmetro

em que a constante é sempre a mesma, qualquer que seja o círculo. Uma constante assim merece ter nome: os gregos a chamaram de À, que é a inicial da palavra "perímetro" em grego. Na verdade, tudo isto já era conhecido antes –os gregos aprenderam muitas destas coisas com os egípcios e os babilônios, como por exemplo que À é um pouco maior do que 3.

Mas saber exatamente quanto ele vale é outra história. Manuscritos egípcios antigos contêm diferentes valores aproximados de À. Para coisas práticas, os babilônios faziam como se À fosse igual 3, embora soubessem que 3,125 seria mais correto. Eles influenciaram os hebreus: na Bíblia (Livro dos Reis) está escrito: "Fez o tanque de metal fundido, redondo, medindo quatro metros e meio de diâmetro [...]. Era preciso um fio de treze metros e meio para medir a sua circunferência". Isto significa que eles usaram À = 3, já que 13,5 é o triplo de 4,5.

Mas os gregos foram além dos antecessores, encontrando meios engenhosos para calcular o valor de À. O grande Arquimedes (século 2 a.C.) desenvolveu um método que ainda é relevante hoje e usou-o para concluir que À está entre 3,1408 e 3,1429. Ptolomeu (século 3 d.C.), o maior astrônomo da antiguidade, usou o método de Arquimedes para chegar a 3,1416. O indiano Aryabhata (século 5 d. C.) chegou ao mesmo valor e, mais ou menos ao mesmo tempo, o chinês TsuCh'ungChih obteve o valor ainda mais preciso 3,1415926. Hoje conhecemos mais de 22 trilhões de dígitos de À.

Um episódio extraordinário ocorreu nos Estados Unidos em 1894, quando um amador apresentou à Assembleia Legislativa do estado de Indiana uma proposta de lei definindo o valor legal de À. Entre outras barbaridades, ficava determinado que À seria igual a 3,2! Incrivelmente, a proposta foi aprovada por unanimidade na Câmara estadual dos deputados! Só não chegou a ser lei estadual porque o professor C. A. Waldo, da Universidade de Purdue, atuou junto ao Senado estadual para impedir o vexame. Ainda incertos sobre o mérito da questão, os senadores concluíram que o Legislativo não tem poderes para mudar constantes matemáticas, e adiaram a votação por tempo indeterminado...

Por volta de 2010, porém, circulou na internet a notícia de que o partido Republicano do estado do Alabama tinha apresentado um projeto de lei estabelecendo que À=3, "para simplificar a matemática e melhorar o desempenho das crianças americanas". Mas essa era trote, ninguém seria tão bobo. Certo?


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