Folha de S. Paulo


Conflito de interesses

Parece que os jornais brasileiros vão muito bem, obrigado. Enquanto na maioria dos países a circulação cai, por aqui cresce.

De 1994 para 1995, houve um aumento de 22%, segundo pesquisa da Federação Internacional de Editores de Jornais agora presidida por um brasileiro, Jayme Sirotsky noticiada no ''Jornal do Brasil'' de quarta-feira passada. A receita com anúncios cresceu ainda mais, embalada pelo Plano Real: 34,3%.

Se no front dos negócios a imprensa vai bem, também não tem do que se queixar no do público. Segundo pesquisa Datafolha com 629 paulistanos divulgada há 12 dias, é uma instituição com ''muito poder'' na opinião da maior parcela de entrevistados (71%). E "muito prestígio" (68%). Nos dois quesitos, bate todas as outras: Igreja Católica, sindicatos, Judiciário, empresários, Executivo, Legislativo, o diabo.

É certo que a pesquisa suscita alguns questionamentos. Em primeiro lugar, só foram ouvidos paulistanos (em dezembro passado, tinham sido 11 capitais). Em segundo, 71% dos entrevistados dizerem que a imprensa tem muito poder não significa que na sua opinião seja a instituição com maior poder.

Além disso, a questão crucial da confiabilidade só foi levantada na comparação entre os órgãos de imprensa, não entre instituições. Não ficou portanto excluída a hipótese de que as pessoas considerem que a imprensa seja menos confiável do que a igreja, por exemplo, ou de que faça mau uso do poder que tem, ou de que seu prestígio seja imerecido.

Perda de independência

Não importa. O que esses números mostram, assim como os de faturamento, é que jornais brasileiros, apesar de ruins ou por isso mesmo, vivem fase de maré alta. Trata-se de um mercado (ainda) imune à tripla infecção de globalização/downsizing/novas mídias. Nos Estados Unidos, ela já tirou 800 mil leitores dos jornais, sempre segundo o "JB".

No caso brasileiro, muitos jornalistas temem por uma perda mais preocupante de credibilidade com a aceitação sem traumas da imprensa no clube do "big business". A idéia é que as empresas de comunicação perderiam a independência. Por exemplo, quando passam a negociar direta e continuamente com as três vacas malditas do país (bancos, empreiteiras e o Estado) para participar do festim da telefonia celular.

Em outros palavras, estariam conspurcando o prestígio outorgado, não deveriam continuar multiplicando o numerário que consumidores e anunciantes põem nas suas mãos. Ora, ganhar dinheiro, mesmo do grosso, não é pecado, nem existem párias intocáveis entre detentores de capital.

O problema não é moral, mas estratégico. Ao menos no longo prazo, órgãos de imprensa dependem de credibilidade para sobreviver. E só um cego não vê riscos para ela nesse salto de patamar da imprensa. O fato de que formadores de opinião dêem por certa a perda de independência é sinal de que o processo de erosão já se iniciou.

Se vai terminar ou não numa voçoroca, é outra história. E é muito cedo para dizer. O momento impõe vigilância sobre os meios de comunicação, para verificar como se saem nessa situação inédita de conflito de interesses. De um lado, o dever de informar, inclusive sobre os bastidores e as manobras da privatização e das telecomunicações. De outro, a necessidade empresarial de manter segredo sobre as transações.

Transparência é a saída

Só se conhece um instrumento para desatar o nó górdio, que é a espada da transparência. Dar conhecimento ao leitor da existência desses interesses, para que ele passe a desconfiar da qualidade da informação.

No caso da telefonia celular, a Folha noticiou com destaque, desde o início, sua participação num consórcio para concorrer na área de telefonia celular. Seus parceiros são uma das maiores e portanto mais visadas empreiteiras (Odebrecht), o banco que assumiu o Nacional sob o guarda-chuva generoso do Proer (Unibanco) e a empresa norte-americana de serviços de telecomunicações Air Touch.

Mais recentemente, o jornal se viu na contingência de ter de relatar e comentar decisões que podem afetar, ao menos teoricamente, os interesses da empresa que o controla. Foi há duas semanas, quando o ministro Sérgio Motta e o PFL se desentendiam quanto à regulamentação da abertura dos mercados de telefonia celular e satélites para a iniciativa privada. Em pauta, limites para a participação de capital estrangeiro nos consórcios.

Nas críticas internas da edição, venho cobrando mais informações da Folha sobre os bastidores da disputa.

Como leitor, quero saber a quem interessa e por quê que se façam restrições aos estrangeiros (posição defendida pelo ministro e pela Folha, em editorial) ou não se façam (ponto de vista do PFL e do jornal "O Estado de S.Paulo", que também participa de um consórcio).

Não preciso dizer que fiquei no ora-veja, por enquanto.

Em letras minúsculas, "Folha"

Propus ainda na crítica interna que o jornal adotasse, por via das dúvidas, algum aviso-padrão sobre sua condição de interessado no assunto, sempre que uma reportagem tratasse dele. Poderia ser um box curto, mas com destaque, dizendo que a Folha considera imprescindível lembrar ao leitor que o jornal está envolvido no negócio (defendo também que editoriais sobre a questão citem obrigatoriamente a situação da Folha).

Chegou a sair um quadro com todos os consórcios já formados. No meio, em letras minúsculas, a Empresa Folha da Manhã S/A. Procedimento semelhante foi seguido pelo "Estado".
É melhor que nada, mas insuficiente.


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