Folha de S. Paulo


Tembés, uapixanas, maxacalis e outros bichos

Ombudsman também existe para falar do que ninguém quer ouvir. Índios, por exemplo. O tema deixou de ser ''in'' há anos. A Folha insiste em negligenciá-lo, como na cobertura do polêmico decreto 1.775.

O jornal até que começou bem no assunto. No último dia 9, foi o único entre os grandes diários a destacar na capa que Fernando Henrique Cardoso tinha assinado decreto admitindo contestação de 57% do território indígena demarcado.

Para o ministro da Justiça, mentor da idéia, decreto anterior de Fernando Collor sobre a matéria seria inconstitucional, por não admitir o princípio do contraditório. Para os adversários de Nelson Jobim, não tem cabimento contraditório em matéria administrativa. A questão é técnica e não cabe aqui entrar no seu mérito.

Nas críticas internas da edição dos dias subsequentes, comecei a apontar duas deficiências no noticiário da Folha. Primeiro, o fato de o jornal não apresentar a opinião do presidente da Funai, Márcio Santilli, que tem longo histórico de defesa dos direitos indígenas. Segundo, não fazer uma enquete mais ampla entre juristas sobre a constitucionalidade.

Esta era a questão que o jornal deveria formular, se queria aprofundar o debate. No entanto, a pergunta escolhida para a seção Tendências/Debates do sábado retrasado (13/1) era velha: ''A demarcação das terras indígenas foi superdimensionada?'' Santilli respondeu pelo ''não'', mas sem uma palavra sobre o decreto.

O pior vinha adiante. Na pág. 1-7, a Folha trazia reportagem com o antropólogo Carlos Alberto Ricardo, secretário-executivo do Instituto Socioambiental (do qual participou Santilli antes de entrar para o governo). O título que li na edição São Paulo/DF era uma frase entre aspas: ''Decreto não prejudica índios''. No lide (primeiro parágrafo), a idéia era diferente:

''O antropólogo (...) afirma que o decreto sobre demarcações indígenas 'não gera nenhum tipo de direito' que beneficie setores contrários aos índios.''

Mais grave que atribuir ao antropólogo o que não disse, o jornal omitiu o que disse _o 1.775 provocaria uma ''avalanche'' de recursos: ''O que ele vai fazer é protelar o processo de consolidação das demarcações de terras indígenas''.

Esta declaração foi publicada somente na edição Nacional, que é concluída pelo menos três horas antes da São Paulo/DF. Entre uma e outra, a reportagem perdeu 9 cm de texto, justamente abaixo do intertítulo ''Críticas''. O corte ''preguiçoso'', nas palavras da editora de Política, Paula Cesarino Costa, 31 foi feito para abrir espaço a uma pequena reportagem.

Os erros de edição foram admitidos pelo jornal em um honesto erramos publicado terça-feira. Para Ricardo, isso não é suficiente:

''Não repõe o dano para uma pessoa dedicada há tanto tempo ao setor. Houve um certo impulso da Folha em tentar esclarecer uma suposta divergência de opiniões entre o instituto e o Márcio Santilli. Uma certa forçada de barra, que acaba induzindo ao erro editorial. É como a gente percebe o estilo editorial da Folha _quando ela entra numa polêmica, nem sempre está atenta para as sutilezas do argumento''.

É uma maneira até polida de afirmar que o jornal aborda com forte viés a questão indígena. Gostaria de poder convencê-lo do contrário.


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