Folha de S. Paulo


Faltou tudo

Para quem enche a boca ao falar do Quarto Poder, costumo retorquir não sem alguma provocação que o único, o verdadeiro poder da imprensa é destruir reputações. A Folha foi envolvida esta semana numa dessas manobras sórdidas, dirigida contra Enilson Simões de Moura, conhecido no meio sindical como ``Alemão''.

Não conheço Alemão, nem tenho procuração dele para fazer sua defesa. Não me interessa sua picuinha com o igualmente polêmico Luiz Antônio de Medeiros, pelo controle da central Força Sindical. Até o telefonema que recebi do primeiro, nunca tinha ouvido sua voz.

Estou é no ataque, contra a imperícia jornalística.

A reportagem em questão saiu na terça-feira, dia 3, à pág. 1-9, sob o título ``Sindicalista recebeu `diária' de R$ 169 do antigo SNI''. A linha-fina (subtítulo) do quadro com largura de três colunas cumpria formalmente o requisito de destacar a versão do outro lado: ``Alemão, da Força Sindical, diz que ganhou por palestra''.

Quase tudo, na reportagem, cheirava mal. Das aspas em ``diária'' à cifra irrisória, do uso capcioso da expressão ``antigo SNI'' para designar a atual Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) ao do verbo ``alegar'' para introduzir as explicações de Alemão, muita coisa no texto implicava sua atuação como informante dos ``arapongas''.

Apenas com o que li, arrisquei a seguinte crítica no comentário da edição que circulou aquele dia, sob o título

``Do jeito que Medeiros gosta'':

``Alemão recebeu a fantástica soma em 5 de abril de 1995, e da SAE, que o texto faz o favor de explicar como `antigo SNI'. Daí a usar a explicação no título... Parece má-fé, como se se quisesse insinuar que o sindicalista foi subornado durante a ditadura militar.

``Medeiros deve estar dando pulos de alegria. O jornal foi miseravelmente usado pelo desafeto de Alemão.

Por falar nisso, a Folha nunca mais falou como é que ficaram as acusações muito mais pesadas contra o acusador de hoje''.

No dia seguinte, quarta, o tom da reportagem de sequência do caso era bem mais ameno. O destaque, muito menor.

Citava as acusações de Wagner Cinchetto, ex-assessor de Medeiros, contra o antigo assessorado: este teria participado de reuniões com Pedro Paulo Leone Ramos, ex-secretário de Assuntos Estratégicos do governo Collor. O famoso ``PP'' de um escândalo paralelo ao de Paulo César Farias. Neste caso, o jornal renunciou ao didático ``antigo SNI''.

Em contato com o ombudsman, anteontem, Alemão queixou-se de ter mandado para a reportagem da Folha, no dia 2, provas de sua participação em um seminário organizado pela SAE em 12 de abril deste ano. ``Eu não aleguei, eu provei.''

O folheto do evento foi enviado por fax. Além de Alemão, havia participantes sobre os quais não se levantou a suspeita de colaborarem com o ``antigo SNI'': Ronaldo Sardenberg, Teotonio Vilela Filho, Clóvis Carvalho, Sérgio Motta...

Segundo o editor de Economia da Folha, André Lahóz, 26, só a capa do folheto chegou às mãos da repórter:

``Houve um problema de comunicação. Por isso achamos prudente dizer que ele `alega'. Alemão reclamou no dia seguinte, ficou de mandar novamente o fax, mas nada chegou''.

O resumo da ópera é que o fax com a resposta do acusado só chegou completo até a Redação na sexta, e por intermédio do ombudsman. Segundo o editor de Economia, as novas informações levariam à publicação de uma nova reportagem, na edição de ontem.

``Eu faço um mea culpa, acho que houve um tratamento exagerado ao tema. Não merecia tudo isso'', afirma Lahóz. Mas o editor insiste em que não vê problema com a menção no título ao ``antigo SNI'': ``De fato a SAE é o antigo SNI. O título não está incorreto''.

Eu acrescentaria que ele também não está correto _na acepção ética do termo. A SAE do governo FHC não é a SAE do governo Collor, que por sua vez já não era mais o SNI de Geisel.

Faltou tudo nessa reportagem: prudência, bom senso, perícia, desconfiança, investigação. Inclusive contra Alemão, se fosse o caso, que há bem pouco tempo nada tinha contra Medeiros. Nessa guerra suja, como tantas de alguns setores do sindicalismo, o bom jornalismo foi a primeira vítima.

Bomba

O caso da semana foi a da explosão no Itamaraty. Além do bom desempenho jornalístico da Folha único jornal a obter entrevista e foto do suspeito Jorge Mirândola no dia de sua prisão e da inoperância da Polícia Federal em prevenir o atentado, o que mais chamou a atenção foi a sem-cerimônia com que apresentou o acusado à execração pública.

A esse propósito, reproduzo trechos da carta que recebi anteontem do leitor Luiz Arnaut, de Belo Horizonte:

``O grande absurdo cometido quando da cobertura do caso Escola Base está sendo reeditado. Vários veículos de comunicação, incluindo a Folha, estão tratando o sr. Jorge Mirândola como uma Maria Madalena. Todos jogam pedras, acusam, desrespeitam sua intimidade. Veja as fotos publicadas. As quatro fotos de propriedade de Mirândola, nas quais ele está à `cowboy', são privadas e ninguém tinha o direito de publicá-las sem prévia autorização. (...) Não estou tomando as dores de Mirândola. A violência cometida contra a diplomata David deve ser punida''.

É sempre bom quando alguém se lembra dessas coisas. Mas discordo do leitor Arnaut num ponto: existe uma enorme curiosidade pública em torno do possível autor do atentado, e os jornais nada mais fizeram do que satisfazer essa demanda. Se as fotos eram de caráter privado e foram recolhidas durante o trabalho policial, o dever de mantê-las em reserva cabe à autoridade.

Megaerramos

Como eu, o leitor deve ter ficado para lá de surpreso com o erramos de página inteira publicado domingo passado pela Folha, a propósito dos muitos problemas e atrasos com a encadernação de fascículos. Só me cabe dizer que foi a coisa mais certa e digna já feita pelo jornal, desde que os problemas começaram (e já lá vão mais de seis meses). Foi a primeira vez que fiquei satisfeito por ver um anúncio expulsar texto de minha autoria para outra página (a coluna do ombdusman saiu semana passada na de número 1-12).

Mais ombudsman

Há cerca de um mês, quando falei do restrito clube dos ombudsman de jornal no Brasil, cometi duas omissões, pelas quais faço penitência pública: Marcio Calafiori é ombudsman do jornal ``Diário do Povo'', de Campinas (SP); e Lauro Motta, do ``Rumos'', publicação mensal de Fortaleza dirigida a padres casados.


Endereço da página: