Folha de S. Paulo


Animaaaaaaaal!

Compare as duas belas fotografias ao lado. Na primeira, de 13 de novembro de 1994, a torcida organizada corintiana Gaviões da Fiel dá um show coreográfico inofensivo. Na outra, tomada no último dia 20, palmeirenses e são-paulinos se entregam a uma erupção neandertalesca de violência, capaz de envergonhar todo aquele obrigado a compartilhar com essa gente a mesma espécie animal.

Animal no mau sentido, que fique claro, já que desse mundo estranho do futebol vem também a acepção calorosa do adjetivo. Todo jogo é uma sublimação de comportamentos violentos, embates viris. Ainda assim, é difícil de compreender um campo em que, para saudar a elegância apolínea de um drible à Edmundo, se desentala um berro pré-histórico: "Animaaal!"

Mesmo execrando esse gênero de involução, comprei uma briga com a Redação da Folha por causa da primeira imagem. O jornal cismou de descrevê-la como "réplica de saudação nazista". Depois, fez uma pseudo-retificação, na qual dizia que ela só "lembrava" os nazistas. Inconformado com o que me parecia uma pirraça, critiquei o jornal em minha coluna de 27 daquele mês.

Muita gente entendeu que era uma defesa da Gaviões. Não era. Era uma defesa do direito desse pessoal por mais boçais que seja ou pareça ser tratado justa e objetivamente pela Folha.

Que fique bem claro, porém: repudio o comportamento animal no mau sentido desses jovens embotados. Abomino sua virilidade equivocada e sua estética bovina. Acho até que a imprensa tem sido branda ao tratá-los.

Os jornais estão fazendo um bom trabalho, é importante dizer, no caso da batalha do Pacaembu. Isto vale sobretudo para o caderno Esporte da Folha, que vem tentando puxar o fio da meada de responsabilidades, um emaranhado que parece não ter fim.

Apesar de complicado, o caso não pode deixar de ser dissecado. Para estudantes de comunicação de São José do Rio Preto, na última terça-feira, dei como exemplo da objetividade possível em jornalismo um quadro inteligente publicado naquele dia à pág. 4-1, "De quem é a culpa" (reproduzido abaixo das fotos).

Esta "arte", como se diz no jargão jornalístico, registra de modo perfeito vale dizer, completo os vários lados da questão. Mas não se limitou a designar cada um dos atores do drama (prefeitura, clubes, polícia e torcidas). Teve o cuidado, ou a esperteza, de mostrar que para cada um deles também há duas faces, acusação e defesa.

A conclusão a tirar desse quadro é que uma solução depende de todos os envolvidos, juntos. E que o futebol é importante demais para ser deixado nas mãos desses incompetentes e trogloditas.

TV e vida inteligente

Preste atenção no caderno TV Folha, que circula aos domingos. Duas reportagens recentes evidenciam que o suplemento parece libertar-se, enfim, da receita mais óbvia (programação, resumos de novelas, bastidores). Primeiro, TV Folha esmiuçou as afinidades eletivas no mau sentido entre a Rede Manchete e o prefeito paulistano, Paulo Maluf. Título da capa da edição do último dia 6: "A Manchete malufou".

Na semana passada, a reportagem mais importante só aparecia na pág. 5: "Público acha que Globo apóia FHC". Até aí, nada de novo. Novos eram os dados colhidos pelo Datafolha em meio a 1.080 paulistanos: para 55% deles, a emissora de Roberto Marinho é a que mais apóia o presidente Fernando Henrique Cardoso, seguida pelo SBT (12%).

O texto do repórter Armando Antenore comentando a pesquisa, muito perspicaz, termina citando as mudanças recentes na área de jornalismo da Globo e deixa claro que elas só ocorrem por influência do público:
"(...) o jogo de cena já está feito. E o que o motivou não tem nada a ver com a ética jornalística ou com o súbito arrependimento diante de erros passados. Tem a ver com o mercado, com a briga cada vez mais acirrada por pontos no Ibope". Viva o mercado.

Epidemia de desinformação

Deu na Folha de anteontem, pág. 1-12, seção Ciência: "A OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou oficialmente ontem que acabou a epidemia de febre hemorrágica no Zaire, causada pelo vírus Ébola. Iniciada no começo do ano, a epidemia matou 244 das 315 vítimas que foram registradas".

Exatas oito linhas. Nada mais mereceu o óbito da doença mais comentada dos últimos anos, depois da Aids.

Onde estão os milhares de mortos do microrganismo letal que se transmitia pelo ar? E a pandemia aeronáutica?

O ataque do ombudsman ao vírus jornalístico apareceu na coluna "Chega de Ébola e Internet", de 28 de maio.

O Ébola já foi, sem deixar rastros, mas o tititi internético cede lugar para o do Windows 95.

É a mais nova mania de uma imprensa embasbacada com maravilhas que no fundo só fazem inverter o princípio do despachante. Criam facilidades para vender dificuldades.

Noites em claro. Casamento em crise. Manuais em profusão. Aplicativos em polvorosa. Conhecimento útil em retirada.

Imprensa em festa.

ACM e RP

Na coluna da semana passada, pus a honrada categoria dos relações-públicas em companhia duvidosa. Afirmei que o imperador da Bahia poderia terminar como relações-públicas de um banco quebrado.
Minha intenção não foi pejorativa, mas a referência certamente terá sido entendida assim. Por isso, dou razão ao leitor que se queixou em nome da profissão e me penitencio pelo lapso politicamente incorreto.
Por falar em ACM: agora na muda, o combativo senador vai conseguindo tudo o que quer do Banco Central que tanto vituperou. Não me parece que a imprensa esteja deixando isso tão claro quanto no momento em que a vitória "da Bahia" foi proclamada no berro.


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