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Cientista dá psicodélico para minicérebros, e eles gostam

Folhapress
Cipó _Banisteriopsis caapi_ utilizado pelos pajés na preparação da ayahuasca
Cipó Banisteriopsis caapi utilizado pelos pajés na preparação da ayahuasca

A batalha de jovens neurocientistas para reabilitar drogas psicodélicas dá mais um passo nesta segunda-feira (9), desta vez com a ajuda de minicérebros. Um grupo do Rio de Janeiro tratou essas esferas de células neurais com DMT e constatou uma série de efeitos benéficos.

A pesquisa aparece no periódico "Scientific Reports", do grupo Nature, sob o título "Alterações de Curto Prazo no Proteoma de Organoides Cerebrais Humanos Induzidas por 5-MeO-DMT".

O composto 5-MeO-DMT pertence à da família das dimetriltriptaminas, genericamente referidas como DMT. Uma substância dessa classe está presente, por exemplo, no chá das religiões Santo Daime e União do Vegetal, a ayahuasca.

Os minicérebros foram cultivados em laboratório pelo grupo de Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino (Idor), o autor principal do estudo.

Os organoides crescem a partir de células-tronco humanas e assumem uma forma tridimensional que corresponde, apesar do tamanho diminuto, a algumas estruturas do cérebro. Tornaram-se um modelo útil para testar efeitos de fármacos e outros agentes –Rehen já os empregou para investigar a ação devastadora do vírus da zika no desenvolvimento cerebral, por exemplo.

O experimento de agora consistiu em expor minicérebros à droga 5-MeO-DMT e guardar outro tanto como controles "abstêmios", por assim dizer. Em seguida, fez-se a análise de um total de 6.728 proteínas presentes nos dois conjuntos de organoides (o "proteoma" mencionado no título do artigo científico).

Na comparação dos controles com os minicérebros contemplados com psicodélicos, verificou-se que 934 delas apareciam em quantidades diferentes no segundo grupo. Um levantamento por computador ("in silico", como se diz) revelou que a maioria delas atua em vias metabólicas relacionadas com efeito anti-inflamatório, com formação de sinapses e com memória e aprendizado (potenciação de longo prazo, ou de longa duração, no jargão neurocientífico).

Em outras palavras, o composto tem óbvio interesse farmacológico. Não é a primeira vez que a ciência aponta potencial terapêutico em psicodélicos como DMT, MDMA e LSD, já associados em vários estudos com ganhos cognitivos (criatividade) e efeito antidepressivo. Nunca, porém, isso havia sido detectado com minúcia molecular e com recurso a minicérebros.

Logo no resumo do artigo, Rehen e colaboradores destacam que "restrições legais e a falta de modelos experimentais adequados têm limitado a compreensão de como essas substâncias [psicodélicas, ou enteógenas] impactam o metabolismo do cérebro humano". Ou seja, o proibicionismo está prejudicando o estudo de compostos que podem ser úteis para a saúde, mas a pesquisa está fazendo sua parte para desfazer essas barreiras -como a criação do modelo experimental com minicérebros.

O movimento da ciência psicodélica para devolver esses compostos ao rol das drogas respeitáveis deu outro passo gigantesco no final de agosto, com a concordância da agência americana de alimentos e fármacos (FDA) em apressar testes clínicos com metilenodioximetanfetamina (MDMA) para tratar transtorno de estresse pós-traumático. Foi a primeira droga do tipo a receber sinal verde preferencial para entrar na via do licenciamento como remédio.


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