Há quase exatamente um ano, em 28 de março do ano passado, escrevi uma coluna –"Vossa excelência é ignorante" – revoltada com a tragicomédia da fosfoetanolamina (a maldenominada "pílula do câncer") encenada no Congresso.
Ignorando todos os protocolos, a opinião de especialistas e o bom senso, parlamentares haviam liberado para distribuição um composto com alegada ação antitumoral que nunca havia sido comprovada.
Em seguida, a então presidente Dilma Rousseff (PT), acossada pelo processo de impeachment, cedeu ao populismo farmacológico e sancionou a lei irresponsável em abril.
Detalhe chocante: seu próprio Ministério da Ciência e Tecnologia tinha realizado testes e comprovado que a fosfo não tinha efeito contra células cancerosas.
Cecília Bastos/USP | ||
Cápsula de fosfoetanolamina, a pílula do câncer |
Só o Supremo Tribunal Federal (STF) mostrou um mínimo de racionalidade na matéria. Em maio, suspendeu a legislação doidivanas, sob os argumentos de que não havia testes comprobatórios de eficácia e, óbvio, de que o Congresso invadira competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A palhaçada poderia ter terminado por aí, quando já haviam sido ludibriadas em seu desespero por panaceias centenas, se não milhares, de doentes com câncer e seus familiares (a pílula clandestina estivera em fabricação e distribuição pela USP desde 1990).
Não terminou. O governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), que por ser médico deveria mais do que ninguém passar longe dessa canoa furada, pulou nela com os dois pés.
Em julho de 2016, anunciou que o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) faria testes clínicos com a fosfo em pacientes com tumores intratáveis.
Cerca de R$ 1,5 milhão poderiam ser enterrados nessa aventura para dar uma sobrevida imerecida à fosfo. Ou seja, recursos do contribuinte patrocinando um novo atentado contra a autoridade da Anvisa.
Pois bem, no último dia 31 o engodo da fosfoetanolamina recebeu o que, se espera, deve ser um golpe fatal. O Icesp, após oito meses de desperdício de tempo e dinheiro, suspendeu o estudo a meio caminho, pois não encontrara indícios de eficácia.
Seria um milagre se não fosse esse o resultado. E milagres não são matéria da ciência, mas sim de fé e desespero explorados por charlatães e oportunistas (a fosfo agora é vendida como "suplemento alimentar").
Como não se descarta que haja mais políticos dispostos a ir até as raias da desumanidade para incentivar falsas esperanças e assim recolher algumas migalhas de popularidade, nada garante que o estelionato da fosfoetanolamina tenha de fato chegado ao fim.