Folha de S. Paulo


Lei verde cai de madura

O presidente interino Michel Temer (PMDB) fez o que o pessoal do boi na bancada BBB do Congresso –onde cabem ainda a turma da bala e a da Bíblia– queria: prorrogou de novo o prazo do cadastro ambiental rural (CAR).

Na prática, isso significa que fazendeiros com desmatamentos ilegais em suas propriedades poderão continuar escondendo isso do governo até dezembro de 2017.

Como a decisão presidencial prevê a possibilidade de outro adiamento, alguém duvida de que o prazo de verdade vai ser dezembro de 2018? Temer garante assim imunidade aos devastadores até o final de seu mandato, como seria de esperar de um governo sustentado apenas por um Congresso retrógrado.

O CAR foi a principal concessão ruralista no Código Florestal aprovado em 2012. Autodeclaratório, o cadastramento exige que cada proprietário rural registre num mapa o que em seus domínios constitui terra aproveitada, reserva legal (RL) e área de preservação permanente (APP).

Vegetação de APP não pode ser derrubada; se for, o dono tem de recuperar. Por RL se entende qualquer parte florestada da fazenda ou sítio que corresponda ao percentual mínimo para cada região -por exemplo, 80% na floresta amazônica e 20% na mata atlântica.

Se o fazendeiro não estiver em dia com essas normas, ao fazer o cadastro ele estará firmando uma declaração de culpa. Ou, como se diz no jargão, confessando um passivo ambiental.

A partir daí, ele terá de enquadrar-se num programa de recuperação ambiental (PRA). Um termo de ajuste de conduta especificará então como e quando ele liquidará sua dívida com o ambiente.

Qualquer pessoa com dois neurônios pode perceber que não há interesse do proprietário em fazer o cadastro. Acontece que, sem CRA e sem PRA, o fazendeiro ficaria também sem acesso a crédito agrícola subsidiado, que no caso representa a cenoura a fazer os jumentos andarem.

Sem cenoura, eles adiam o quanto podem o cabresto do CAR. Para isso contam com a tropa BBB no Congresso, com Michel Temer na Presidência interina, com Blairo Maggi (PP) no Ministério da Agricultura e com José Sarney Filho (PV) no do Meio Ambiente. Agora têm até 2018 para esquivar-se da lei, como tantos representantes seus enrolados na Lava Jato

As regiões Nordeste e Sul, de onde saem alguns dos parlamentares mais atrasados, ostentam os índices mais baixos de adesão ao CAR, respectivamente 59,4% e 64,7% da área cadastrável já inscrita. Os dados do Serviço Florestal Brasileiro são de maio.

Onde o agronegócio se mostra menos medieval, por força de sua dependência dos mercados externos, a coisa muda de figura: o Sudeste tem 80,9% de adesão ao CAR, e o Centro-Oeste, 78,8%.

O Norte constitui um caso peculiar: mais de 100% da área que poderia ser cadastrada já o foi. Provavelmente não se trata de excesso de zelo, mas de grilagem, gente tentando regularizar terra que não lhe pertence.

O último boletim do Imazon indica que o desmatamento nos primeiros cinco meses do ano teve 22% de acréscimo em relação ao mesmo período de 2015.

A taxa de degradação –quando não há corte raso, mas um desmate a conta-gotas– ficou em 5.785%. Você leu certo: um salto de 5.785% naquilo que é em geral o primeiro passo para a devastação completa.

Péssimo começo para um país que assumiu o compromisso de zerar o desmatamento ilegal como contribuição ao Acordo de Paris. O que farão Temer e Sarneyzinho para reverter esse outro desastre?


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