Em 23 de agosto passado, escrevi uma coluna sobre a epidemia de dengue no país e o fracasso dos governos estaduais e federal no combate ao mosquito Aedes aegypti. Falava então da lerdeza da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em examinar a consulta da empresa Oxitec sobre sua variedade transgênica do inseto, criada para diminuir a população silvestre do vetor do vírus da dengue.
Pois bem, agora é o vírus zika que vem infernizar a nossa vida, não bastassem os presidentes da República e das casas do Congresso. Com a explosão dos casos suspeitos de microcefalia a ele associados, concluí que era hora de voltar ao assunto e ver se havia algum progresso.
Diante da emergência dupla de saúde pública, parecia provável que o caso viesse a merecer um empenho extra da Anvisa, não? Nada disso.
Se a dengue, uma doença mais que estudada, não conta com vacina, pior ainda a infecção pelo vírus zika. Sua ação é tão mal conhecida que até a associação com o desenvolvimento anormal do crânio e do cérebro de bebês em gestação só foi estabelecida agora, por causa do surto brasileiro.
Nos dois casos, dengue e zika (para não falar de chikungunya), a única ação preventiva possível é atacar o A. aegypti. Trata-se de um trabalho interminável, pior que enxugar gelo, ainda mais agora que o Estado brasileiro, nos níveis federal, estadual e municipal, está à beira da falência -leia-se: sem dinheiro para manter quantidade suficiente de equipes mata-mosquitos nas ruas.
A Oxitec, firma de origem inglesa com filial em Campinas, tem uma linhagem de mosquitos geneticamente modificados (OX513A ) cuja prole é inviável. Liberando só machos transgênicos no ambiente, eles competem por fêmeas com os parentes silvestres (só elas picam e chupam o sangue de humanos, transmitindo os vírus).
Depois de fertilizadas pelos mosquitos transgênicos, as fêmeas ficam indisponíveis para receber outros machos. Os ovos postos por aquelas inseminadas com espermatozoides transgênicos produzem a larvas que morrem antes de ultrapassar a fase de pupa e chegar à vida adulta (2 a 4 dias).
Estudo publicado em julho na revista "Plos Neglected Tropical Diseases" revelou que mosquitos OX513A liberados em Juazeiro (BA) tinham conseguido reduzir em 95% a população de A. aegypti.
Nem vou entrar no mérito das razões, boas ou más, que a Anvisa terá para prolongar o exame do assunto. A coluna anterior arriscava algumas, como o disseminado preconceito contra a transgenia (que está longe de contar com a simpatia entusiástica deste colunista).
Choca é descobrir que a agência mantém a mesma atitude burocrática que ostentava em agosto. Procurada a assessoria de imprensa, na esperança de obter informações sobre o andamento do processo (ou não processo, seria o caso de dizer), veio a mesma e deficiente explicação de mais de três meses atrás:
"A Anvisa foi consultada pela empresa Oxitec sobre a necessidade de aprovação pela agência do organismo geneticamente modificado (OGM) de linhagem OX513A. [...] Esta é uma tecnologia inovadora e diferente de todos os demais produtos e atividades regulados até o momento pela Anvisa e por outras agências estrangeiras.
"A Anvisa está analisando o material apresentado pela empresa em caráter prioritário, inclusive com consultas a outras agências reguladoras internacionais que estão tratando de questões semelhantes [grifo no original]. A análise envolve aspecto de segurança e, especialmente, eficácia da tecnologia."
A coluna reclamou que era a mesma resposta recebida em agosto e nada informava sobre o que concretamente se fizera na Anvisa desde então. Nova mensagem da assessoria de imprensa: "Prezado, o produto continua em análise...".
Se a agência alimenta alguma preocupação com os vírus da dengue e zika, faz um esforço enorme para não dar a menor demonstração disso. Mas é quase certo que deva ter manifestado à Oxitec contrariedade com a divulgação do caso na imprensa, porque a empresa não fornece mais informação alguma sobre a tramitação de sua consulta.
Em outras palavras, leitores e leitoras que se virem. Toca a comprar repelente.