Folha de S. Paulo


Filme 'Os Últimos Jedi' ensina o valor do fracasso

Excluindo os terráqueos que vivem numa galáxia muito, muito distante, todo mundo sabe que o episódio VIII da saga Guerra nas Estrelas estreou recentemente, após dois anos de muita ansiedade dos fãs. Levei minha família sábado passado, evitando conversar com qualquer pessoa que houvesse já assistido ao filme.

(Aliás, se você ainda não viu o filme, melhor ler essa coluna após fazê-lo.)

O tema central do filme, o renascer da Força e da esperança, contrasta com o custo emocional duma guerra sem fim. A atriz Carrie Fisher, que fez o papel da princesa Leia Organa desde o episódio IV (historicamente o primeiro da série), faleceu subitamente este ano, após completar a filmagem de suas cenas. No filme, ela flutua pelo espaço como um espírito após sua nave ter sido destruída, numa espécie de transe entre a vida e a morte, até que encontra um caminho de volta ao mundo dos vivos. Na vida real, seu caminho de volta é através das telas, onde deu vida a uma das personagens mais memoráveis do cinema. Sentirei sua falta.

De agora em diante, de todas as estrelas originais a única que permanece é o Chewbacca e, claro, a indestrutível nave Millenium Falcon, uma arma chave da Resistência por gerações. O episódio anterior, O Despertar da Força, marcou a entrada duma nova geração de heróis, confrontando os mesmos problemas existenciais de seus antecessores, a escolha entre o bem e o mal, a sedução pelo poder, a ilusão adolescente de que são invencíveis. "Os Últimos Jedi" completa essa transição do velho ao novo.

Luke Sywalker aparece como uma alma profundamente torturada, perdida na luta contra os fantasmas de seu passado. Escondido na ilha sagrada dos Jedi, não sabe se ajuda ou não a jovem heroína Rey (a sensacional Daisy Ridley) a descobrir os segredos da Força. Yoda, como sempre, aparece no momento mais oportuno: "Saudades suas eu senti, jovem Skywalker..."

Paralisado pelo remorso, considerando-se um mestre fracassado, Luke sofre com a culpa de ter falhado no treinamento de Kylo Ren, que terminou seduzido pelo lado negro da Força. Yoda, o mentor dos mentores, intervém: "O maior dos mestres, o fracasso é". Sob o olhar incrédulo de Skywalker, o sábio mestre destrói todos os lugares sagrados da ilha, incluindo os livros dos Jedi, suposta fonte de sua sabedoria. "Muito divertidos esses livros são, não?", pergunta Yoda, sarcasticamente.

A Força deve ser sentida, não racionalizada. Seu poder vem da experiência, não de livros ou locais sagrados. É a energia de todas as coisas no universo, vivas ou não, o pulso da existência que permeia o Cosmo. Só a prática nos permite desvendar seus mistérios, seu poder. Seus segredos não estão nos livros, mas na vida.

Na longa jornada do aprendizado, o sucesso vem do fracasso. Devemos fracassar, e muito. Sem medo. É assim que os Jedi aprendem a controlar a Força, descobrindo que são parte dela, sentindo sua vibração permeando tudo o que existe. Parece um pouco budista, não? Sem dúvida.

Os Jedi praticam a meditação constantemente, neste e em todos os filmes da saga, aprendendo a focar suas mentes para sentir a essência de todas as coisas. Quem já praticou meditação sabe que isso não é nada fácil. É preciso muita disciplina, perseverança, tolerância, sabendo que o fracasso é parte inevitável e necessária do caminho. Os resultados não vêm imediatamente. O sucesso toma tempo para maturar, e depende do que aprendemos a cada vez que fracassamos. E é sempre temporário.

Essa é a lição central do filme. Todo mundo falha. A Resistência não consegue deter a Primeira Ordem. A Primeira Ordem não consegue deter a Resistência. Repetindo os conflitos de Anakin Skywalker, o temido e adorado Darth Vader, Kylo Ren não consegue convencer Rey a segui-lo no caminho do lado negro da Força. Rey, por sua vez, também falha ao tentar traze-lo para o lado luminoso.

Numa cena memorável, os dois disputam uma espécie de cabo-de-guerra, usando a Força para controlar um sabre de luz, que flutua no ar entre eles. A arma sente a tensão da oposição entre os dois, até que quebra ao meio. Naquele momento, me veio em mente a imagem do Harry Potter lutando contra Voldemort, ambos profundamente interligados por suas histórias, o bem e o nal inseparáveis, amarrados num nó insolúvel. Existe algo mítico aqui, a interdependência entre bem e mal, que reaparece em narrativas de todas as culturas.

Qual seria a ligação entre Kylo Ren e Rey? Será que também são gêmeos, como a princesa Leia e Luke Skywalker, separados ainda bebês para sua segurança, Kylo ficando com Leia e Han Solo e Rey adotada por um casal obscuro no planeta Jakku? É uma especulação, no momento ninguém sabe a resposta. (Talvez porque nem exista ainda, a grande vantagem duma obra de ficção!)

Tudo se comporta como ensina Yoda, a Força sendo o equilíbrio do universo. Toda criação é dinâmica, o ato de criar combinando o dar e o receber, o ir e o vir. Neste contexto, não pode haver um vencedor final. O Bem não pode existir sem o Mal; o Mal não pode existir sem o Bem. Esta é a simplicidade do argumento central da saga, afirmando que a batalha não pode ser resolvida, ao menos sem violar a sua filosofia central, comprometendo o equilibro do universo.

Star Wars - Os Últimos Jedi
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O filme é de uma beleza visual arrebatadora, e inclui novos personagens adoráveis, como os pássaros Porgs, que vivem na ilha sagrada dos Jedi. O diretor Rian Johnson, que, quando menino, brincava com os bonecos do filme, conseguiu manter a tradição viva, ao menos para este fã. Como não poderia deixar de ser, alguns fãs estão injuriados com o filme, ameaçando Johnson no Twitter, acusando-o de traidor. Alguns conseguiram até odiar os Porgs, afirmando que são um truque de marketing, apelando para emoções baratas.

Com certeza, alguns fãs vão odiar esta minha resenha do filme. Mas isso faz sentido, não? O equilíbrio da força demanda a coexistência do amor e do ódio, da gratidão e da ingratidão. Nas suas batalhas, os fãs estão vivenciando a dinâmica inescapável da Força, o cabo-de-guerra que define tão claramente a condição humana.


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