Folha de S. Paulo


Café da manhã de graça

O caderno Turismo da Folha do dia 23 de fevereiro publicou três páginas de serviços em que testava o café da manhã de dez hotéis de São Paulo. A reportagem de abertura tinha o título "Café da manhã avizinha paulistano e hotel".

A capa do caderno assim chamava para a reportagem: "Bom dia! Confira avaliação do serviço de café da manhã oferecido aos não-hóspedes por hotéis luxuosos, como o Emiliano e o Unique, em São Paulo".
Entre os hotéis visitados estavam alguns dos melhores da cidade, além dos dois citados: Pestana, Sofitel, Fasano, Renaissance, Intercontinental, Hilton, Hyatt e uma pequena pousada, Zilah. A idéia é boa, e a apresentação gráfica das páginas foi bem resolvida, com um texto e uma ficha técnica para cada hotel e bastantes fotos.

As fichas resumiam bem o conteúdo da crítica gastronômica: traziam endereços, sítio na internet, preços, horários de funcionamento e uma indicação gráfica do melhor ou do pior do serviço testado.
No dia 28, terça-feira de Carnaval, o jornal publicou uma correção na seção "Erramos": "Na reportagem que avaliava o café da manhã nos hotéis Fasano, Unique, Pestana, Sofitel, Renaissance, Emiliano, Hilton e Hyatt (Turismo, 23/2), omitiu-se que o serviço foi testado a convite dos estabelecimentos".

A correção deixou evidentes quatro problemas. Primeiro: como é possível que, depois de anos e anos de "Manual da Redação", o jornal ainda omita uma informação importante como essa que demonstra o mínimo de transparência e de respeito com o leitor?

Segundo problema: é difícil crer que o serviço foi testado "a convite dos estabelecimentos". É mais provável que o jornal tenha tido a idéia de fazer o teste e tenha procurado os hotéis solicitando a cortesia. Dificilmente dez hotéis tomariam simultaneamente a iniciativa de enviar convites dessa natureza para o jornal. Como saiu, ficou parecendo que o jornal foi procurado pelos hotéis.

Terceiro problema: esse tipo de reportagem exige o anonimato do repórter, caso contrário ele será tratado com uma deferência que nem sempre será estendida para o cliente comum.
Quarto, e o mais importante: por que um jornal como a Folha precisa pedir aos hotéis o favor de não cobrar um simples café da manhã, por mais caro que possa ser?

Se é por economia, é inconcebível. Fiz as contas com base nas informações da reportagem. Se fosse pagar as dez refeições, o jornal gastaria R$ 460,70, incluindo os 10% de serviço e o pagamento do estacionamento. Não é possível que o jornal não tenha orçamento para um gasto como esse.

Já tratei da política de convites em outra coluna sobre o mesmo caderno Turismo ("A convite", em 18 de setembro de 2005). O jornal precisa repensar o assunto se quer realmente oferecer uma opinião isenta e qualificada a respeito dos serviços que testa.

O "Manual da Redação" tem uma orientação clara sobre o assunto e, neste caso específico, ele não foi respeitado.
Questionado, o jornal admitiu que não agiu certo. Reproduzo a resposta que recebi da Secretaria de Redação.

"A Folha considera que errou ao solicitar cortesia aos hotéis para a realização das reportagens com avaliação dos cafés da manhã. O "Manual da Redação" afirma que, "ao testar os serviços de um restaurante, por exemplo, é conveniente que o repórter permaneça no anonimato e pague sua conta. De outro modo, sua avaliação poderia ficar comprometida por um atendimento especial ao qual seu leitor não teria acesso." É essa a prática adotada pelos repórteres e críticos do Guia e da Ilustrada."


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