Folha de S. Paulo


A mulher de César

Os jornais erraram , na edição de quinta-feira, ao não dar mais visibilidade, na primeira página, ao depoimento em que Cláudio Mourão confirmou, na CPI dos Correios, o uso de caixa dois e de recursos de Marcos Valério no financiamento da campanha eleitoral do PSDB de Minas em 1998.

Mourão foi o tesoureiro da campanha de Eduardo Azeredo, o atual presidente do PSDB e senador por Minas Gerais. E suas declarações são relevantes por quatro razões.

Primeiro, porque foram feitas pela primeira vez numa CPI. Segundo, porque trouxeram novidades, como as informações sobre o pagamento dos serviços do publicitário Duda Mendonça com recursos do caixa dois da campanha. Terceiro, porque repetiram as mesmas táticas e argumentos (Mourão assumiu sozinho a responsabilidade pelo caixa dois) do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.

Por fim, porque há uma disputa política travada em torno dos resultados das investigações que não pode ser ignorada. O PT, os seus aliados e os partidos de oposição, principalmente o PSDB e o PFL, tratam da crise com a mesma perspectiva eleitoral. Embora os jornais não possam perder o foco nas irregularidades e nos crimes cometidos neste governo e nesta legislatura, é evidente que não podem ignorar e deixar de tratar com igual rigor as irregularidades e os crimes cometidos por outros governos, por outros partidos e em outros períodos.

Na minha opinião, a manchete da Folha é defensável do ponto de vista jornalístico porque o jornal conseguiu antecipar com exclusividade o teor da defesa que o ex-tesoureiro do PT, ameaçado de expulsão, apresentará à direção do partido.

O destaque dado para a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que rejeitou a liminar pedida pelo deputado José Dirceu (PT-SP) para suspender seu processo de cassação também é correto. Era a notícia do dia e normalmente seria a manchete do jornal, como foi no "Globo" e no "Estado".

Mas esses destaques não justificam que tenha sido mal dado o depoimento de Mourão.

A Folha não concorda com a avaliação do ombudsman e considera não ter havido erro nesse caso. Segundo Suzana Singer, secretária de Redação da área de edição, "o depoimento do ex-tesoureiro apenas reafirmou à CPI o que já havia dito antes". Ela lembrou que a Folha já noticiara o caso em quatro ocasiões: "Ação de ex-tesoureiro indica caixa dois em campanha tucana" (2/8), "Azeredo admite caixa dois, mas culpa tesoureiro" (3/8), "Valério diz que Azeredo sabia do empréstimo" (11/8) e "Ex-tesoureiro admite caixa dois tucano em 98" (27/8). "As novidades do dia eram, sem dúvida, a defesa de Delúbio Soares (notícia exclusiva da Folha) e a rejeição do STF ao pedido de José Dirceu.""
Vários leitores identificam no comportamento do jornal uma simpatia pelos tucanos.

Singer rebate: "Nesse dia o jornal publicou uma foto na capa do prefeito José Serra sendo atingido por respingos de um ovo, atirado por um morador do Jardim Pantanal".
O jornal teria errado se tivesse omitido a agressão ao prefeito.

Quanto ao argumento principal para explicar o tratamento dado à notícia do caixa dois do PSDB -informação já conhecida-, é bom lembrar que, em diversas ocasiões ao longo da crise política que vem desde maio, a Folha considerou válido destacar, inclusive em manchetes, fatos, acusações e declarações já publicados.

O jornal não pode entrar no jogo político dos partidos. Deve procurar expor com a mesma visibilidade e rigor crítico as mazelas de todos eles. Tem hora que não basta se pretender isento.
A Folha reconhece com relativa facilidade os erros de informação que comete. Mas tem uma grande dificuldade para admitir os erros de edição que colocam em xeque a sua imparcialidade.


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