Folha de S. Paulo


A convite

A capa do caderno Turismo da Folha da última quinta-feira tinha como principal assunto a cidade de Rio das Ostras, no litoral fluminense. O texto de abertura da reportagem assim justificava a escolha: "Renda obtida com a exploração na bacia de Campos é investida na infra-estrutura da orla marítima do município na região dos Lagos".

A Folha informou na reportagem que viajou para Rio das Ostras a convite da Abih-RJ (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Rio de Janeiro) e da Secretaria de Turismo, Indústria e Comércio de Rio das Ostras.
Na mesma edição, circulou um encarte publicitário com anúncios da Petrobras e de duas cidades da mesma região, Cabo Frio e Rio Bonito: "Bacia de Desenvolvimento - Petróleo impulsiona o crescimento dos municípios da bacia de Campos".

Algumas ponderações.
1 - Os cadernos de turismo dos jornais brasileiros vivem de convites. São os convites que acabam determinando os destinos turísticos sugeridos. É comum os jornais apresentarem aos seus leitores, numa mesma semana ou em datas próximas, reportagens parecidas. Foi o que aconteceu neste mês, por exemplo, com a Folha e o "Estado", que saíram com reportagens sobre a ilha de Páscoa. Não houve coincidência de pauta. Apenas os dois diários receberam os mesmos convites de um grupo turístico, um hotel e uma companhia aérea.

Isso nunca foi bom para os leitores nem para os jornais e só interessa à indústria do turismo que, dessa forma, acaba influenciando as pautas dos jornais.
A discussão não é nova: as empresas jornalísticas têm consciência de que a política que adotam para esses cadernos não é a mesma aplicada a outras editorias, mas acabam submetidas a ela por questão de economia.
Silvio Cioffi, editor de Turismo, lembra que todas as reportagens feitas a convite de empresas trazem, no final do texto, a informação sobre quem pagou a viagem. E acrescenta: "Mesmo fazendo viagens a convite, sempre trazemos uma lista ampla e variada dos serviços de transporte e hospedagem disponíveis".

O leitor perde, obviamente, porque, por mais isento e transparente que o jornal seja ao admitir que viajou a convite, sempre fica a certeza de que aquele ponto turístico está sendo recomendado por oportunismo, e não por critérios editoriais.

Os cadernos de turismo ganharão credibilidade quando tiverem orçamentos próprios que lhes permitam libertar-se da dependência que os atrela, hoje, aos interesses da indústria turística. O jornalismo brasileiro ainda precisa dar esse passo.

2 - Nada justifica que os jornais não enviem seus jornalistas com recursos próprios para locais próximos e relativamente baratos. Se Rio das Ostras vale uma reportagem indicativa para os leitores da Folha a ponto de merecer uma capa do jornal, por que não enviar um repórter da Sucursal do Rio, que fica a 170 km, e o próprio jornal pode pagar a viagem? Teria, evidentemente, mais independência para tratar do assunto e fazer críticas.
A propósito de Rio das Ostras, recebi a seguinte mensagem do leitor Carlos Tautz, do Rio: "A reportagem me deixou irritado porque teceu loas e loas sobre Rio das Ostras, um município cujo IDH é pífio, mesmo comparado com o de outras cidades do Rio. Seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é o 34º no Estado do Rio e o 1.188º no Brasil, dado do Pnud em 2000. Ficou parecendo matéria encomendada. Fui lá, pela primeira vez, em janeiro de 2004, como turista e, inicialmente, tive a mesmíssima impressão que a Folha descreve: uma maravilha de lugar, que aproveita bem os royalties da Petrobras. Mas depois percebi que há uma Rio das Ostras da orla, coisa de Primeiro Mundo, e outra, que fica com os impactos negativos da especulação imobiliária provocada pela expansão da indústria do petróleo no norte fluminense. Esta segunda é a Rio das Ostras de moradores tradicionais favelizados pela disparada dos preços da terra. Essa Rio das Ostras fica do lado pobre da BR-101, que corta a cidade ao meio. Faço a crítica porque me senti enganado à época e tive o mesmo sentimento hoje de manhã, quando li a Folha".

3 - A publicação, no mesmo dia, do caderno com o informe publicitário suscita no leitor natural desconfiança. Reproduzo a explicação que recebi da secretária de Redação, Suzana Singer: "Foi coincidência a Folha ter publicado na mesma edição o caderno Turismo com capa sobre Rio das Ostras e o informe publicitário da Petrobras sobre a região. Como existe completa separação entre as áreas editorial e comercial, nem a Redação sabia da existência do informe nem o comercial sabia qual seria o tema do caderno".

Não tenho por que duvidar da explicação, mas a coincidência é ruim para o jornal de qualquer forma. Ainda mais associada a uma área que vive de favores, como é a cobertura de turismo.


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