Folha de S. Paulo


A carta de Marilena Chaui

A Folha publicou, na quarta-feira, a íntegra de uma carta da filósofa Marilena Chaui endereçada a seus alunos da USP em que ela faz uma análise negativa do desempenho dos jornais na cobertura da crise política e defende o seu direito de não se manifestar por meio da imprensa.

É a peça mais importante de uma polêmica que tomou conta dos jornais com a realização do seminário "O Silêncio dos Intelectuais", iniciado em agosto e que se estende até o início de outubro. Embora planejado em 2004, o seminário acabou confundido, na imprensa, com a crise do governo Lula e do PT.

Recebi 17 mensagens de leitores comentando a iniciativa da Folha. Nove questionaram o jornal por ter publicado a carta sem a autorização da autora e consideraram mais uma violência da imprensa. Quatro foram favoráveis à publicação e concordaram com as análises e as críticas feitas por ela. Dois protestaram por entender que a filósofa não merecia tanto espaço do jornal. E dois criticaram a publicação da carta associada ao escândalo do "mensalão".

O editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, assim justifica a publicação: "A carta de Chaui, dirigida aos seus alunos, já circulava pela internet quando a Folha a publicou. Desde o domingo anterior, pelo menos, estava inclusive postada num blog, com amplo destaque. Era, portanto, pública. Constatado o evidente interesse jornalístico do que ali estava escrito, a Folha tomou duas providências: 1) procurou a autora, por e-mail e por telefone, informando-lhe do que se tratava, mas não obteve resposta até hoje; 2) ouviu quatro alunos e dois colegas de academia de Chaui para se certificar de que a carta era mesmo dela".

O professor Francisco José Karam, da Universidade Federal de Santa Catarina e autor de "A Ética jornalística e o interesse público" (Summus Editorial, 2004), entendeu que a Folha acertou ao publicar a carta: "Acho válida e ética a utilização da carta. Não é uma carta apenas particular. É de relevância pública e critica a mídia e os jornalistas. Se não fosse correto publicá-la, não seriam também vários outros documentos que, pelo valor jornalístico e critérios de noticiabilidade, o foram: de governos, de entidades e de pessoas públicas. E em nada depõe contra Chaui em aspectos particulares. Até a favorece e contribui para o debate público sobre a política e sobre o jornalismo".

Tentei falar com Marilena Chaui na sexta-feira, por intermédio do jornalista Adauto Novaes, organizador do ciclo "O Silêncio dos Intelectuais", mas a resposta que obtive foi a de que ela não queria dar entrevista.
Achei correto o jornal publicar a carta e só lamento que ele não a tenha aproveitado para iniciar uma discussão mais regular sobre o papel da imprensa. Embora possa discordar de vários pontos da análise política da professora, concordo com boa parte das críticas que faz, principalmente quando analisa o desempenho da imprensa neste momento e aponta para o que chama de "desinformação". Há, de fato, um bombardeio de notícias desencontradas e a apresentação de notícias como opinião.

Ela coloca para discussão dois aspectos importantes do jornalismo aos quais não podemos fugir. Um, de fundo, antigo, que trata da arrogância da imprensa. E o outro, mais imediato, que se refere à qualidade da cobertura que realizamos da crise política.


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