Folha de S. Paulo


A musa

Dois assuntos da edição da Folha de domingo passado merecem uma reflexão: o ensaio fotográfico e a entrevista com a secretária Fernanda Karina Somaggio e o pingue-pongue de duas páginas com o prefeito de São Paulo, José Serra.

Ambos foram destaques nos títulos da Primeira Página do jornal: "Karina fala do ex-patrão e de nudez", ilustrada com uma foto grande da secretária com um top de oncinha, e "Lula é menor que a atual crise política, afirma Serra".

O primeiro material, produzido pela Revista da Folha ("Musa da Inconfidência"), foi recorde absoluto de mensagens para o ombudsman. Foram 72, sendo que 52 apenas no domingo e na segunda-feira. A maioria (43) enviada por homens. Todas contrárias à publicação.

Reportagens polêmicas sempre geram fortes reações, mas raramente como neste caso. Diferentemente das cobranças iradas que acompanhei em outros episódios, desta vez as mensagens foram de decepção. Como a de Doralice Araújo, professora de Curitiba: "Desconforto e decepção, foi o que senti ao ver Karina Somaggio -a oportunista do momento- na capa da Folha".

Os leitores acharam o material de "mau gosto", "sensacionalista", "bizarro", "escandaloso", "vulgar", "apelativo", "fútil", "medíocre", "desrespeitoso" e uma longa lista de adjetivos. A crítica maior foi pelo fato de o jornal escancarar a foto da secretária na Primeira Página. É a opinião, por exemplo, da fonoaudióloga Rosana Amá Brusco, de São Paulo: "Já achei demais a Revista dar tanto espaço a Fernanda Somaggio, mas colocá-la na capa do jornal é um exagero absurdo e sem tamanho! Não considero esse um assunto sério o suficiente, ou de interesse do público. É claro que se fosse algo ligado à CPI, teria algum sentido. Agora, fotos de sutiã, ou biquíni, sei lá, é um pouquinho demais".

Muitos leitores perguntaram por que a Folha publicou o material: "Para vender jornal?", "por falta de assunto?", "por torcer contra a democracia?", "por ironia?", "para desmoralizar a secretária?".

"Musa da Inconfidência" foi recorde absoluto de mensagens para o ombudsman. Foram 72, sendo que 52 apenas no domingo e na segunda-feira. A maioria (43) enviada por homens. Todas contrárias à publicação

Quem responde é a editora da Revista, Vera Guimarães Martins: "A razão pela qual a Revista produziu a reportagem é a mesma que norteia todas as nossas pautas: abordar, sem prejulgamentos, assuntos e pessoas que movimentam de alguma forma o cotidiano dos leitores. A ex-secretária é uma personagem-chave do momento vivido pelo país: apareceu fazendo denúncias graves com um discurso baseado na ética, ganhou espaço na mídia, foi sondada para sair candidata a deputado e para posar nua. Só essa combinação inusitada já faz dela uma personagem que merece ser perfilada para os leitores".

Achei o texto da revista bem escrito, embora ache um exagero o comentário que Luís Nassif fez na sua coluna de quinta: "Houve leitores que não entenderam adequadamente. Mas a capa da Revista da Folha, com a secretária Karina, é uma obra-prima do jornalismo sarcástico, tanto texto quanto produção de fotos. Um clássico à altura de Joel Silveira". O jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, achou a entrevista "esperta", no sentido de "viva, rica em sutilezas e sobretudo nada maçante".

Na minha opinião, houve dois problemas sérios na edição. Primeiro, o tratamento gráfico na Primeira Página, que não soube traduzir a ironia que o texto da revista continha. Ficou uma exposição grotesca com ares de notícia quente.

O segundo problema é que o jornal abusou, naquele domingo, de brincadeiras com um tema que as pessoas estão levando muito a sério. O resultado foi o que o leitor Paulo Nogueira, de São Bernardo, definiu como "carnavalização": além do ensaio brega com a secretária, a Folha publicou duas páginas da Ilustrada com roteiros de telenovela ("Sarabandalha", "Farinha do mesmo saco" e "Mussarela com Bananas") que ridicularizam o "mensalão". "Cômico" -resumiu Filipe Barini, do Rio-, "se não fosse trágico".


Endereço da página: