Folha de S. Paulo


A Operação Narciso

A Folha ainda não acertou a mão na cobertura dos assuntos ligados à Daslu, a loja mais luxuosa do país, segundo o próprio jornal.

Foi exagerada no espaço e acrítica nos textos que destinou, no início de junho, à inauguração do megaempreendimento, como registrei na coluna "...e a nova Daslu" (12/6). E foi exagerada e parcial na última quinta-feira, quando noticiou a prisão de dois sócios e um funcionário acusados de sonegação de impostos.

Antes de a loja ter sido inaugurada, nos dias 4 e 5 de junho, o jornal já tinha publicado, a respeito, 21 notas em colunas, cinco reportagens e uma página inteira assinada por Mônica Bergamo. Nos dias da inauguração foram mais três colunas, três reportagens e um artigo.

Mesmo levando em conta a importância comercial e simbólica do empreendimento, a cobertura me pareceu excessiva, no tamanho, e fora do projeto crítico da Folha.
Na quinta-feira, o jornal voltou a exagerar. Publicou o equivalente a cinco páginas sobre a prisão da empresária Eliana Tranchesi. Bem mais do que os seus dois concorrentes diretos, o "O Estado de S. Paulo" e "O Globo", que editaram, cada um, duas páginas.

Não vi problemas nos textos que relataram a operação da Polícia Federal. A manchete do jornal ("Operação da PF detém dona da Daslu") e as reportagens sobre a ação policial editadas no caderno Dinheiro ("PF detém dona da Daslu acusada de sonegação", "Ação começava nos EUA, afirma procurador", "Receita investiga outras empresas") estavam corretas e bem informadas. E foi dado o espaço de praxe para a defesa dos acusados pelo Ministério Público Federal: "Não havia motivo para prisão, diz advogado de empresária".

O que me pareceu fora de propósito foram os comentários e as repercussões publicadas pelo jornal, todos com a mesma preocupação de questionar de alguma forma a ação da Justiça, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. O que seria legítimo e saudável se houvesse o contraponto, ou seja, comentários e repercussões que explicassem a ação policial.

O desequilíbrio começou na primeira página do jornal, com a publicação de extratos dos artigos dos colunistas Danuza Leão e Gilberto Dimenstein, "As "chiquérrimas" estão quase de luto" e "Euforia com prisão foca alvo errado". E continuou internamente com as repercussões ("Empresários temem abuso da PF", "OAB-SP vê operação da Polícia Federal na Daslu com "ressalvas'", "Clientes vêem dona da Daslu como "vítima'" e "ACM chora e defende empresária") e um texto de apoio que parecia justificar os crimes apontados pelo Ministério Público Federal: "Caos tributário do país estimula irregularidade".

Apontei esses problemas na Crítica Interna de quinta: "Diante de tantos depoimentos e comentários criticando a prisão da dona da Daslu, o jornal poderia ter publicado pelo menos unzinho defendendo ou explicando a ação da PF".

A edição de sexta estava mais equilibrada. A começar pelo editorial do jornal, "Operação Narciso", que reconheceu que "a operação da Polícia Federal na Daslu é justificável", embora "conduzida com dispensável espalhafato".

A cobertura jornalística mostrou que a empresa já vinha sendo investigada desde 2003 pelo Ministério Público Federal e auditada pela Fazenda estadual desde o início do ano.
A repercussão foi, enfim, equilibrada. Houve espaço para os questionamentos ("Fiesp propõe ato contra "arbitrariedade'" e "Serra vê prisão de Tranchesi como exagerada") e para as justificativas ("PF rebate crítica e nega abuso contra Daslu" e "Entidade quer Justiça desigual, diz juiz", uma resposta às críticas da Fiesp).

E três colunistas do jornal se manifestaram. Diferentemente de quinta-feira, defenderam pontos de vistas distintos. Luís Nassif viu evidências de crime ("O esquema Daslu"), Eliane Cantanhêde relacionou a ação policial à crise política do governo ("PF versus CPI") e Barbara Gancia fez um ataque frontal ao Planalto ("Daslu ou Daslula?").
São artigos polêmicos e divergentes, como quer o projeto editorial, nem sempre aplicado.

O caso Daslu ainda vai se estender por um bom tempo. Símbolo do luxo paulista, abençoada pelo governador Geraldo Alckmin, do PSDB, a megaloja está agora definitivamente associada à era Lula e ao destempero que tomou conta do país. Não vai ser fácil reportá-la.


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