Folha de S. Paulo


Corrupção na América Latina

A discussão sobre o futuro dos jornais não pode deixar de lado a importância que eles (ainda) têm no controle e na fiscalização das administrações públicas, principalmente em países com instituições frágeis e sujeitas a assaltos de grupos privados, como os da América Latina.

A Tilac (Transparência Internacional para a América Latina e o Caribe), entidade criada para combater a corrupção na região, e o Instituto Prensa y Sociedad, do Peru, oferecem anualmente um prêmio para os melhores trabalhos jornalísticos sobre o tema.

O grande vencedor de 2004 foi uma série de reportagens publicadas pelo diário "La Nación", da Costa Rica. A primeira delas saiu em 21 de abril do ano passado e revelava que o presidente da CCSS (Caixa Costarriquenha de Seguro Social) havia ganhado uma casa no valor de US$ 735 mil da Corporación Fischel, representante naquele país da finlandesa Instrumentarium Medko Medical. Em troca, o funcionário havia trabalhado para a aprovação de uma linha de crédito para a compra de equipamentos médicos que beneficiou a empresa finlandesa.

Com o desenrolar da apuração, o jornal descobriu um outro caso, que envolvia a Alcatel, empresa francesa de telecomunicações. Depois de cinco meses de reportagens, o "La Nación" tinha levantado crimes e irregularidades que envolviam três ex-presidentes da Costa Rica.

O caso Finlândia provocou a prisão de 13 pessoas, entre funcionários públicos, executivos da Fischel e um ex-presidente, Rafael Ángel Calderón, acusado de ter recebido US$ 520 mil da companhia finlandesa.
O caso Alcatel atingiu os ex-presidentes Miguel Ángel Rodríguez (sua mulher teria recebido um cheque de US$ 58 mil da empresa francesa) e José María Figueres (acusado de ter recebido US$ 900 mil).

Figueres teve de renunciar ao cargo de diretor-executivo do Fórum Econômico Mundial, com sede em Davos, na Suíça. E Rodríguez, eleito secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), em 7 de junho, renunciou quatro meses depois e foi preso quando desembarcou em San José, a capital do país, no dia 16 de outubro.

A primeira edição do prêmio, referente a trabalhos publicados em 2002, já tinha contemplado uma série de reportagens que envolviam outro figurão. Venceu um jornal da Nicarágua, "La Prensa", que trazia investigações sobre Arnoldo Alemán Lacayo, então presidente do país, acusado de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro. Alemán foi preso.

Em 2003, o diário "El Comercio", do Equador, publicou provas de corrupção contra um juiz da Suprema Corte e contra magistrados de vários outros tribunais do país e foi o vencedor.
Neste ano, foram inscritos 125 trabalhos de jornais, revistas e emissoras de TV de 19 países. México, Colômbia e Brasil foram os países com mais trabalhos inscritos (23, 22 e 20, respectivamente). O Brasil ficou com dois segundos lugares: uma série de "O Globo", do Rio, sobre enriquecimento ilícito de deputados estaduais e uma reportagem do "Fantástico", da TV Globo, sobre irregularidades no programa Bolsa-Família.

Sempre que se discute a crise da imprensa, aponta-se para a escassez de reportagens investigativas bem feitas, o que é uma verdade. Ainda é muito comum a publicação de acusações mal apuradas e sem comprovação. O resultado de denúncias vazias é a perda de credibilidade.

A análise dos trabalhos inscritos nessa terceira edição do prêmio Transparência/Ipys, do qual participei como jurado, demonstra que, embora haja um esforço de aperfeiçoamento das técnicas de apuração jornalística, ele ainda é insuficiente.

Debilitados por governos corruptos, negligentes ou incompetentes e acossados por grandes grupos econômicos privados, os países latino-americanos necessitam, mais do que nunca, de uma imprensa independente, atenta e bem preparada, coisa que raramente encontram.


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