Folha de S. Paulo


A guerra dos cem dias

A Folha publicou, ao longo da semana, os resultados da pesquisa Datafolha que avaliou os cem primeiros dias do governo José Serra (PSDB). Foi a manchete de domingo passado: "Após 3 meses, Serra tem avaliação pior que os antecessores".

Junto, o jornal editou reportagem em que comparava declarações e ações de Serra no começo de governo com as de Marta Suplicy (PT) nos três primeiros meses de 2001 ("Tucano repete Marta nos primeiros cem dias").
Recebi mensagens de leitores que acharam que o jornal foi condescendente com Serra e de outros que consideraram que o jornal se precipitou, porque três meses é pouco para um balanço.

Essas opiniões refletem a tensão que há em São Paulo entre PT e PSDB e a cobrança por equilíbrio que chega ao jornal. Por isso faço a comparação da cobertura que a Folha produziu dos cem primeiros dias da gestão Serra com a que fez do mesmo período da de Marta Suplicy.

A ESCASSEZ
Em primeiro lugar, a cobertura de 2001 foi mais extensa e diversificada que a de agora. Na ocasião, o jornal publicou oito páginas e meia em cinco dias; agora, três páginas e meia em quatro dias. Essa diferença importante tanto pode refletir o momento de escassez do jornal (menos repórteres e menos espaço) como ser conseqüência da diferença de comportamento dos dois políticos.

Em 2001, Marta se expôs à avaliação pública. Reuniu a imprensa para apresentar o que considerava os pontos fortes do seu início de mandato ("Balanço de Marta omite áreas problemáticas" foi o título da Folha em 5 de abril) e deu uma longa entrevista para o jornal ("Prefeita diz que não pagará R$ 2 bi de dívida"), editada no domingo, dia 8.

Além disso, ela participou, com prefeitos de três outras capitais, de um debate promovido pela Folha e que foi publicado em 11 de abril ("Prefeitos de metrópoles criticam a União").
Serra, ao contrário, evitou a imprensa. A informação que tenho é que o jornal o procurou para uma entrevista, mas ele não a concedeu. Dispôs-se apenas a conversar informalmente com jornalistas, sem registro.

AS PESQUISAS

A base das coberturas nos dois anos foram as pesquisas do Datafolha. Essa é uma marca do jornal, mas que cria no jornalismo uma dependência que foi acentuada neste ano.
As opiniões dos paulistanos foram para a capa da Folha em edições dominicais com formulações igualmente críticas: "SP aprova Marta, mas não percebe melhora" (2001) e "Após 3 meses, Serra tem avaliação pior que os antecessores" (2005). Reproduzo os títulos das duas pesquisas.

Os de Marta, em 2001: "Paulistano gosta de Marta, mas acha que cidade continua igual à de Pitta", "Paulistanos não vê melhoras nos bairros", "Imagem da prefeita não sofre desgaste" (domingo), "População se acha responsável por enchente" (segunda), "77% querem investigação do lixo em SP" (terça). Os de Serra, agora: "Início de Serra frustra 70% dos paulistanos", "Imagem pessoal do prefeito tem avaliação positiva", "Hoje, Marta ganharia eleição de Serra" (domingo), "Início de Serra não teve marca, diz Datafolha", "Bilhete único é herança positiva", "Nota sobe em bairros mais ricos" (terça) e "Para 54%, Serra não combateu corrupção" (quarta).

DIVERSIDADE
A diferença jornalística maior entre as coberturas está no material produzido além das pesquisas. E nesse item a cobertura de 2001 foi mais rica. O jornal publicou, então, um relato crítico do balanço feito pela prefeita (uma página) e um pouco mais de meia página com a entrevista.

Editou ainda um quadro em que colocava lado a lado as promessas de Marta na campanha de 2000 e o desempenho até aquele momento. Foram avaliados 15 temas, o que exigiu um acompanhamento minucioso. No mesmo dia, foi publicado um jogo de fotos que mostrava sete locais críticos de São Paulo antes da posse da prefeita e após os três meses. A conclusão era que pouco tinha mudado: "Persistência do caos não surpreende Marta".
O jornal publicou ainda uma reportagem grande em que os próprios petistas faziam uma avaliação negativa da gestão ("Para petistas, falta articulação ao governo") e uma análise do comportamento político de Marta ("Prefeita se recusa a seguir o figurino político tradicional").

Agora o jornal pouco produziu sobre a gestão Serra. No domingo, publicou uma página ilustrada que comparava os dois momentos ("Tucano repete Marta nos primeiros cem dias"). Na segunda, publicou uma repercussão em que os peessedebistas se defendiam da avaliação negativa ("Tucanos culpam Marta por resultado ruim de Serra"). E só.
A cobertura jornalística deste ano foi tão ou mais crítica do que a de 2001, mas mais pobre.

Esse depauperamento fica mais nítido com outro dado: em 2001, o jornal também avaliou os prefeitos do Rio (Cesar Maia) e de Recife (João Paulo) e promoveu o debate que reuniu os de São Paulo, Rio, Salvador (Antonio Imbassahy) e Curitiba (Cassio Taniguchi), publicado em duas páginas. Agora, nada publicou sobre outras prefeituras.

O jornal "Valor", por exemplo, editou uma série especial, entre os dias 4 e 8, em que analisou as administrações de 11 capitais.
A favor da Folha, deve-se computar o destaque dado à renúncia do secretário de Cultura, Emanoel Araújo ("Titular da Cultura deixa cargo e critica Serra"), e aos problemas que assombram o de Finanças ("Secretário de Finanças enfrenta na Justiça condenação por improbidade").

OPINIÃO
Uma boa parte dos questionamentos que recebi em relação à cobertura dos cem dias de Serra dizia respeito à opinião do jornal, e não às reportagens.

Não sei se o jornal pode ser acusado de ter sido condescendente com o prefeito, como algumas mensagens apontaram, mas foi nítido o esforço que fez para tentar compreender as dificuldades enfrentadas por ele. Isso fica claro no editorial "Primeira avaliação" publicado no domingo.

Este trecho resume o raciocínio do editorial: "É claro que três meses é um período muito curto para permitir uma apreciação razoável da administração. Com 90 dias, o prefeito e seus secretários apenas começam a se inteirar da real situação. Isso é ainda mais verdadeiro no contexto de caos administrativo e financeiro que Marta legou a seu sucessor.

Nenhum desses elementos, porém, elimina a sensação de que Serra chegou à prefeitura sem um projeto para a cidade, abandonou os programas da gestão anterior e passou muito tempo queixando-se da ex-prefeita. Essa impressão generalizada de que falta um rumo para a nova prefeitura também poderia ser um dos motivos que contribuem para o mau juízo que mereceu dos paulistanos".

Em 2001, não houve editorial. Outra diferença está no "Painel do Leitor", que abrigou uma troca de acusações entre tucanos (segunda e quinta) e petista (sexta) que deveriam ter sido publicadas em Cotidiano como repercussão da pesquisa, não no (curto) espaço reservado aos leitores.


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