Folha de S. Paulo


Um modelo falido

A eleição , terça pela manhã, do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara não foi uma surpresa apenas para o governo Lula. Os grandes jornais brasileiros -Folha, "Estado" e "Globo"- também fracassaram. Não porque não apontaram antecipadamente a vitória do deputado, mas porque foram incapazes de perceber a dimensão do fenômeno político que estava sufocado nas bases do Legislativo.

Reli, para fazer esta crítica, todas as reportagens publicadas pelos três jornais a partir do dia 25 de janeiro. Ao longo das últimas semanas, esses diários gastaram tempo, papel e tinta com declarações e avaliações oficiais, com detalhes sem importância e com informações evidentemente plantadas. O resultado, com raríssimas exceções, foi um jornalismo superficial, repetitivo, chato e dispensável.

OS ERROS
Aponto, a seguir, alguns erros que percebi nas coberturas. Minha referência principal é a Folha, mas os outros jornais tiveram problemas semelhantes.
1 - Os jornais não acreditavam que o candidato oficial do PT, Luiz Eduardo Greenhalgh, pudesse perder porque se acomodaram na tese de que historicamente o partido majoritário vence e porque se fiaram nas avaliações oficiais. Admitiram, no limite, a possibilidade de o deputado Virgílio Guimarães, dissidência petista, disputar o segundo turno com Greenhalgh.
No domingo 13, véspera da eleição, o editorial da Folha "Disputa na Câmara" reflete a crença: "(...) a cúpula petista preferiu cautelosamente evitar ameaças a Virgílio, mesmo porque não está afastada a possibilidade de que ele vença a eleição. Essa hipótese -ou a improvável derrota de Greenhalgh para outro candidato- representaria uma derrota política para o comando petista (...)."

2 - A cobertura captou desde logo a importância do racha que dividiu o PT com a candidatura dissidente, mas ficou restrita à briga interna do partido, e não soube perceber as conseqüências do fato dentro da Câmara. O foco ficou o tempo todo nas manobras para fortalecer a candidatura oficial e nas ameaças de punição ao candidato dissidente. As outras candidaturas foram ignoradas.

3 - As fontes foram sempre as mesmas: os candidatos petistas e seus entornos, os presidentes e líderes dos partidos aliados ao governo e da oposição assumida (PFL, PSDB e parte do PMDB) e ministros do Planalto. Não há uma reportagem que duvide dos cálculos oficiais e percorra os gabinetes e corredores da Câmara para falar com os anônimos que formam o "baixo clero".

4 - Os jornais, cegos pela certeza de que o candidato do partido majoritário nunca perde, ignoraram os indícios de que as coisas não iam bem para Greenhalgh por conta daquilo que o presidente eleito chamou de insatisfação generalizada dos deputados. E foram vários os indícios. Cito dois mais recentes.
No sábado 12, antevéspera da eleição, o "Painel" da Folha publicou a nota "Azarão": "Um fator quase imponderável na corrida de cavalos da Câmara é o desempenho de Severino Cavalcanti (PP-PE). Alguns deputados estimam que o "rei do baixo clero" teria ampliado sua base de apoio nos últimos dias, avançando sobre o eleitorado de Virgílio Guimarães (PT-MG)".
Na mesma edição, ao reportar uma reunião da campanha de Greenhalgh e a preocupação dos petistas, o jornal informou: "O crescimento de Cavalcanti, aliás, foi tema das conversas no encontro. Um dos líderes afirmou que não será surpresa se ele, que tem como bandeira de campanha a elevação do salário de deputados, ganhar de Virgílio."

5 - Diante desses indícios e da importância da disputa, era de se esperar que no fim de semana os jornais lançassem a campo seus principais repórteres de política para um último trabalho de perscrutação, algo que permitisse oferecer aos leitores, na segunda-feira da eleição, um relato mais preciso do que de fato ocorria na Câmara. Isso não foi feito. As reportagens de segunda são aspas e aspas e não acrescentaram nada.

6 - Por fim, uma crítica que vale para todos os jornais, mas que cabe particularmente à Folha porque abandonou uma tradição de planejamento das edições. O jornal tinha a obrigação de ter publicado no domingo ou na segunda-feira uma apresentação decente dos cinco candidatos. Uma apresentação decente significava informar o que pensam os candidatos, o desempenho que tiveram no Legislativo, os bens declarados à Justiça Eleitoral e um perfil.

Ao longo da campanha, o jornal tentou ressuscitar o caso Lubeca, que envolve o deputado Greenhalgh. Nada contra. Mas o mesmo cuidado deveria ter tido com os outros candidatos. Só depois da eleição os leitores souberam que o deputado Severino Cavalcanti defende idéias conservadoras, que não guarda dinheiro em casa e que passou cheques sem fundos.
A bem da Justiça, a exceção foi a coluna de Janio de Freitas em 20 de janeiro que traçava um breve, mas bem informado, perfil do deputado Severino, prova de que o jornalista levou a candidatura a sério.

REFLEXÃO
Os erros que os jornais cometeram não são exclusividade desta cobertura, mas vêm se repetindo e apontam para a falência de um modelo de acompanhamento da política nacional que domina hoje as grandes e médias Redações do Rio, de São Paulo e de Brasília. Os jornais deveriam aproveitar a oportunidade para uma reflexão séria sobre os rumos do jornalismo político.


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