Folha de S. Paulo


Impeachment

Aquela esperança de tudo se ajeitar, pode esquecer. Aquela aliança, você pode empenhar ou derreter. Trocando em miúdos, a aceitação por Eduardo Cunha para que o pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff tenha sequência é fruto do velho rancor dos relacionamentos fracassados. O governo queria empenhar, mas Cunha derreteu a aliança.

Mesmo diante das graves denúncias contra o presidente da Câmara, reunidas pelos investigadores da Lava Jato, o ministro Jaques Wagner, logo após assumir a chefia da Casa Civil, em outubro, esteve na residência oficial de Cunha para discutir a relação e um acordo de salvação mútua.

A animosidade não interessava a nenhum dos lados. O peemedebista queria o apoio do governo para salvar seu posto. Wagner desejava apaziguar a crise no Congresso e evitar abertura do impeachment.

Mais do que expressão da crise política, o fracasso deste anti-romance é o retrato do colapso de um modelo de democracia apodrecido e sequestrado pelo conluio entre a elite política e econômica do país. Um dos grandes pecados dos governos petistas foi justamente não ter feito as reformas necessárias para superar estas mazelas. Em vez disso, dançou conforme a música no baile da governabilidade a todo custo.

Basta lembrar que, antes de tentar um acordo com Cunha, Dilma abraçou a chamada Agenda Brasil, capitaneada por Renan Calheiros. Na esperança de tudo se ajeitar, o governo concordou em empenhar as políticas econômicas em troca da própria salvação. A agenda prevê retrocessos como o afrouxamento da legislação ambiental, a revisão das terras indígenas e o incentivo ao trabalho terceirizado.

O governo Dilma é indefensável. Tanto por reproduzir um modelo de governabilidade baseado na extorsão parlamentar quanto pela adoção das políticas de austeridade. Por isso, eu e meu partido lhe fazemos oposição.

Entretanto, somos contra o impeachment porque entendemos que a chantagem feita por Cunha não é uma solução, mas um agravante dos problemas do atual sistema político. Cunha é a representação das aberrações desta democracia leiloada da qual ele mesmo se beneficia. As pedaladas fiscais, praticadas por ex-presidentes, são condenáveis, mas se forem motivo para impeachment quase todos os governadores cairiam.

Só superaremos a crise quando compreendermos que ela é resultado da atual concepção de democracia, não da conjuntura política. Precisamos ampliar o diálogo com a sociedade, ir para as ruas, mobilizar pessoas comprometidas com reformas que detenham a influência do poder econômico, aprofundem os instrumentos de participação social e fortaleçam os mecanismos de transparência.


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